O Rato Silvestre, a Gata de Olhos Verdes e a Bruxa Vassorilda

Era uma vez, há muito tempo atrás, lá no distante Reino Grandioso do Norte da Escuridão, o Reino do Norte, um menino que andava pelas ruas da aldeia vendendo bananas. Havia, naquela época, uma crise financeira geral, e para ajudar a família a equilibrar o orçamento doméstico, era comum o menino sair pelas ruas e praças vendendo o que tinha, geralmente frutas, legumes, ovos e verduras.

Naquele mesmo dia, Vassorilda, a bruxa do Reino do Norte, estava de muito mal humor, como era bastante comum. Estava mais dura do que um coco da Bahia, sem nenhum dinheiro para comprar cobras, morcegos, sapos e lagartos para novos feitiços. Sua vassoura já estava penhorada, seu nome já estava sujo na praça, e por tanto desgosto, já havia mesmo enfeitiçado uma bela garota que havia passado perto de sua casa, - comprou o feitiço na loja de magias, em doze vezes sem juros, no cartão -  e sem alguém mais se atrevesse a se aproximar, receberia também uma pequena carga de desgraça; havia ainda, apesar das dificuldades financeiras, bruxaria para todos.

campanhia de sua casa tocou e ela foi atender. Abriu a porta e do lado de fora do portão estava um menino, mais especificamente falando, o menino Alecrim, seu eterno desafeto.

- Bom dia Dona Vassorilda - falou o menino Alecrim.

- O que você quer aqui, por que está me incomodando?

- Desculpe, não era a minha intenção... estou vendendo bananas, a senhora gostaria de comprar algumas?

-Bananas! Para o diabo com suas bananas, não sou macaco. Você, tenho certeza, é aquele menino que anda por ai plantando árvores pela floresta. Odeio árvores, bananas, macacos  e meninos. Suma de minha porta.

Alecrim simplesmente sorriu e já se afastava, mas a bruxa sentiu-se incomodada.

- Menino, você está rindo de mim, ou está rindo para mim?

-Sorri para a senhora, mas creio que foi em vão. Seu mau humor é tão impenetrável e horroroso, que sorriso algum no universo conseguiria passar por esta couraça rançosa e atingir o seu coração.

A bruxa ficou indignada com as palavras do menino, seu coração transbordou de tanto fel, então, com sua varinha enfeitiçada, ela jogou um feitiço no menino Alecrim: "Pelos poderes do inferno, de agora em diante você, que gosta tanto de mato, será um rato silvestre, e doravante, este feitiço somente será quebrado quando você ganhar um beijo de amor".

O feitiço teve um efeito imediato, e de um instante para outro desaparecia o menino Alecrim, e surgia no seu lugar um pequeno rato silvestre. Este, apavorado pelo fato de estar ali na rua, tão exposto, correu para a mata próxima, e lá, assustado e cansado, repousou sob o tronco de uma árvore.

Era um feitiço forte, o menino era agora um rato, mas nenhum feitiço, por melhor que seja, é perfeito. Mesmo na condição de roedor, exilado de sua condição humana, ainda restou naquela pequena criatura alguns raciocínios básicos, bem como, algumas poucas emoções. Passou a povoar em seu coração o medo, uma certa angústia, e sobretudo, um desejo profundo de uma elevação muito além de sua limitada condição de pequeno rato silvestre. 

Sua rotina, desde então, passou a ser a de andar pela mata atrás de sementes e frutos para sua alimentação. Andava sempre com medo de ser visto por algum gato (existiam muitos), ou mesmo um cachorro, ou ainda humanos; seu existir passou a ser povoado pelo constante medo de ser... ser de uma hora para outra, devorado por algum inimigo exterior. 

Durante suas idas e vindas pela mata, muitas vezes, após sua alimentação, pegava com sua pequena boca pequenas sementes, e com suas pequeninas patas as enterrava no solo. Apesar de sua condição de rato, por falha do feitiço, ou quem sabe, por uma inata grandeza interior, ainda permaneceu nele o amor pela proliferação das árvores nos campos. 

O rato silvestre desenvolveu uma grande ansiedade, por tanto medo de ser notado e devorado, então, passou a fazer tudo de forma muito rápida, desejando, no fundo, fugir do próprio instante presente; corria o tempo todo, sempre olhando para todos os lados, como se estivesse permanentemente fugindo de tudo e de todos, ou ainda, sendo constantemente vigiado; sua mente de rato não conseguia mais entrar em estado de relaxamento, e com o tempo, a solidão passou também a habitar o seu minúsculo coração.

Felizmente haviam poucos gatos por ali, mas um dia esta situação, para piorar, mudou. Passou a andar por aquela mata uma gata de olhos verdes, e com o passar dos dias, o rato silvestre percebeu que ela não ia embora, e o pior, quando ele saia correndo pelo chão à procura de frutos e sementes, a gata de olhos verdes ficava o tempo todo de olho nele. 

Acabou a paz do rato silvestre, a gata de olhos verdes estava sempre por perto, sempre de olhos nele; seu medo e sua ansiedade aumentaram, passou então a sair de seu esconderijo mais raramente, e quando saia, corria disparado pela mata, tremendo de medo de ser abordado pela gata de olhos verdes, ou ainda, por outro predador qualquer.

Numa dessas corridas em alta velocidade, o rato silvestre pisou em um espinho, ferindo sua pata dianteira, e a dor foi tão grande, que ele caiu e rolou no chão, ficando um pouco tonto com a queda. Quando recobrou o equilíbrio mental era tarde demais, a gata de olhos verdes estava ali do lado dele, a pouquíssimos metros, era o seu fim. Sentia a dor na pata, o espinho estava lá, não conseguiria correr; olhou então diretamente nos olhos dela, de um verde lindo, e resignado com a beleza daquele olhar, provavelmente o último de sua vida, fechou os olhos, seria melhor não assistir a própria morte. 

A gata dos olhos verdes aproximou-se definitivamente, e com as patas, gentilmente retirou o espinho da pata do rato silvestre; em seguida, abaixou a cabeça, e quando sua boca estava muito perto da boca do pobre rato silvestre caído ali no chão, deu lhe um beijo. 

Foi tudo muito rápido para o rato silvestre; no seu desespero, quando o espinho foi retirado, achou que a gata era caprichosa, e que queria devorá-lo sem aquela farpa. Então, quando sentiu o toque suave da boca da gata de olhos verdes em sua própria boca, constatou que havia finalmente chegado ao seu fim, mas era simplesmente o fim do feitiço e o recomeço de uma nova vida. 

Quem estava agora deitado na relva era novamente o menino Alecrim, e ao seu lado não havia nenhuma gata, porém, uma garota de olhos verdes; Alecrim, meio atordoado não conseguia compreender ainda o que havia acontecido. Teria ele morrido e estaria agora no céu? Contou então para a gata, digo, para a garota, o incidente com a bruxa no dia da venda das bananas.

A garota explicou então que havia ido também à casa da bruxa Vassorilda, a procura de alguns livros de magia branca; seu sonho, quando crescesse, era de ser um dia uma bruxa do bem, com formação superior, diploma, jaleco branco, certificações e muito mais. A bruxa, ao ouvir aquilo, a transformou imediatamente em uma gata, e o feitiço somente seria quebrado através de um beijo de amor.

- Minha intenção inicial era mesmo devorar o rato silvestre que você foi - falou a ex gata de olhos verdes - porém, com o tempo fui me encantando com as sementes que você plantava pelo chão, e quando me aproximei e percebi a sua dor e o espinho na sua pata, uma força maior do que eu, ou melhor, maior do que a gata que eu fui, um instinto profundo de cura, maior que o instinto de caça do felino, impeliu-me a tirar o espinho de sua pata, e depois a beijá-lo.

O menino Alecrim, com os olhos banhados em lágrimas, olhou para a garota de olhos verdes, que era mesmo um encanto, uma verdadeira gata; daquele dia em diante, nasceu uma grande e eterna amizade entre eles, que juntos, ali naquela mata, sob a sombra das árvores, descobriram que o amor é a força mais poderosa de todo o universo, tão poderosa que é mesmo capaz de fazer com que uma linda gata de olhos verdes, beije e se apaixone por um rato silvestre plantador de árvores, a despeito de qualquer bruxaria.


Comentários

  1. Encantada, Agricultor Urbano! A cada dia você se supera e nos surpreende, acho que o menino Alecrim depois de adulto foi ficando parecido com João que chamava todos de "filhinhos"!

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    1. Assim, brilhe vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos céus.

      Mateus 5:16

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  2. Peço permissão para contar essa história também e dar as informações da auroria. Quem é o autor das histórias?! Talvez as crianças queiram conhecê-lo, entrevistá-lo. Será possível um contato com o autor?!

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