O Homem que Fugiu
Não era uma vez, era mesmo um homem que não suportava mais a vida que estava levando. Seu casamento havia sido um erro, pensava ele, a mulher, que era tão agradável e tão doce, transformou-se, segundo sua visão, em um grande estorvo em sua vida. Ele não conseguia suportá-la mais, sua presença trazia sempre muito incômodo para ele, queria, a todo e qualquer preço, ficar bem longe dela, se possível, para sempre.
Mas ele foi protelando a separação, e veio o primeiro filho, e com este, a sua situação piorou. Conforme aquele menino crescia, sentia em si mais e mais dificuldades em conviver com ele, não conseguia sentir-se bem em sua presença, e na medida do possível, sempre o evitava; a companhia do filho trazia para ele um permanente desconforto em seu coração.
A ideia da evasão era cada dia mais presente, porém, veio o segundo filho, uma menina, suas responsabilidades então cresceram, como também cresceu a filha, e com o crescimento desta, nasceu entre eles o mais profundo distanciamento; a filha não tinha afeto e carinho pelo pai, e este, por sua vez, não sentia também nenhum apreço por aquela jovem; o fato da sua presença em seu cotidiano era algo que não acrescentava nada em sua vida, assim como um grão de areia a mais no deserto do Saara.
Seus planos de fuga já estavam em andamento, já estava tudo planejado. Como ele viajava muito, já conhecia uma bela cidade no interior, com pracinha, jardins e coreto, onde ele, segundo a sua visão, poderia viver em paz até o fim de seus dias; quem sabe encontraria por lá uma linda e amável mulher, quem sabe...
Mas ele precisou adiar os planos mais uma vez, pois nasceu o terceiro filho, outra filha, que também cresceu, e com o tempo passou a discordar e brigar constantemente com ele; os dois não conseguiam coexistir em paz, estavam sempre em discussões intermináveis, sempre com muito rancor e ressentimento mútuo, mais pareciam cão e gato.
A filha foi a gota d'água; se ele continuasse na sua casa com aquela família, ficaria certamente enlouquecido. Foi então, aos poucos, fazendo todo o planejamento, e dia após dia, passava longas horas pelos cantos pensando e arquitetando a melhor maneira de fugir para todo o sempre, e jamais ser encontrado por aquelas três pestes em sua vida.
Depois de tudo planejado, em uma certa madrugada, sob a luz das estrelas, ele acordou, pegou uma bolsa com o fundamental, e saiu de sua casa sorrateiramente; sua mulher e seus filhos dormiam profundamente. Havia deixado o carro na rua no dia anterior, a fim de que não ouvissem o ruído do motor, o tanque já estava cheio. Abriu a porta, entrou, ligou a ignição, ascendeu os faróis, destravou o freio de mão, passou a primeira, a segunda, a terceira, a quarta, a quinta marcha e partiu, enfim, para a liberdade.
Viajou mais de quatrocentos quilômetros, e o temor de estar sendo, quem sabe, seguido pelos seus familiares era tão grande, que muitas vezes evitava olhar para o retrovisor, com receio de encontrá-los em algum veículo na retaguarda. Horas depois, cansado, parou em um posto, reabasteceu o carro e o corpo, e seguiu adiante, sempre para o leste, ao encontro de sua nova casa com um belíssimo quintal e lindas árvores. Sua felicidade o aguardava lá, até o seu eldorado, somente mais algumas centenas de quilômetros.
Já era noite e ele estava exausto, havia viajado mais de mil e duzentos quilômetros em um mesmo dia, mas finalmente havia chegado naquela cidade, naquele bairro, naquela rua, naquela casa, naquele jardim... Quando, já dentro do quintal dirigiu-se para a casa, notou a luzes acesas, e achou aquilo estranho, teria esquecido de apagá-las em sua última visita? Mais estranho ainda foi o aroma de comida que vinha de dentro, bem como uma certa algazarra, como se existissem crianças brincando. "Deve ser o cansaço da viagem", pensou o homem, que dirigiu-se para a porta da sala e a abriu.
"SURPRESA", gritaram a mulher e os filhos, que já estavam no interior da residência esperando pelo viajante; eles haviam chegado antes. Atônito, o marido fujão não sabia mesmo o que dizer e como agir. Envergonhado e conformado com a situação, depois de um bom banho, sentou-se à mesa com os seus familiares, e ali, naquele instante, constatou que era mesmo impossível fugir deles, que faziam mesmo parte de sua natureza humana.
Faria, de agora em diante, um esforço sincero para aprender a conhecê-los, aceitá-los e sobretudo, amá-los do jeito que eles eram. Ao seu lado estava sentada sua mulher, a Angústia, e na sua frente o seu primeiro filho, o Medo, ao lado dele a filha do meio, a Indiferença, e do lado dela, mais à direita, a terceira filha, a Raiva.
Após o jantar aquele homem abraçou com carinho a mulher e os filhos, e sentindo em si muita culpa e muita dor, olhou para o horizonte e percebeu que ao longe o sol raiava, e ele, raiado de dor e cansado de tanto fugir, rendeu-se, e chorou.
No dia seguinte, sob a luz solar de um novo dia, certamente, junto com os demais, voltaria definitivamente para a sua casa.
No dia seguinte, sob a luz solar de um novo dia, certamente, junto com os demais, voltaria definitivamente para a sua casa.
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