O Agricultor Urbano em Botafogo
O Moço das Letras olhou o calendário, já era novembro, última semana; ele sabia que por aqueles dias seu amigo, o Agricultor Urbano, deveria aparecer. Na última visita, por cansaço, ele acabou cochilando, e quando deu por si, o Agricultor já havia passado, deixando para ele em cima da mesa uma folha escrita, bem como algumas sementes, e sobretudo, muita saudade.
Sua expectativa pela visita agora era muito grande; neste ano ele não dormiria de jeito nenhum, quando seu grande amigo aparecesse, ele certamente estaria ali para recebê-lo. Enorme foi então sua alegria naquele dia, ao passar pela caixa do correio da vila onde morava, no bairro de Botafogo, e encontrar lá um bilhete:
"Caro Moço das Letras, estarei na sua rua no dia de amanhã, deixarei minha marca, e, quem sabe, poderemos conversar um pouco. Grande Abraço... Agricultor Urbano".
O coração do Moço das Letras bateu tanto, que parecia mesmo que ia sair do peito; o amigo viria, que maravilha...
No dia seguinte ele acordou cedo como sempre, tomou o seu café e seguiu para o seu trabalho no centro da cidade. Possivelmente o amigo passaria à noitinha, como era o seu costume; já em direção ao metrô, ainda na rua em que morava, avistou a poucos metros alguns homens de uniforme amarelo, um amarelo muito forte, - eram os trabalhadores do setor de parques e jardins.
Estavam fazendo podas nas árvores, bem como algumas covas para novas mudas que seriam plantadas por ali. O Moço das Letras passou por eles somente de corpo presente, seu pensamento estava longe, estava no fim do dia, estava na chegada do seu grande amigo. Passando então pelo pessoal de amarelo de forma bem apressada, ouviu de um deles que estava sentado junto com outros:
- Bom dia Senhor... Aceita um cafezinho?
- Obrigado meu amigo - respondeu o Moço das Letras - fica para outro dia.
O Moço das Letras tinha pressa, pretendia chegar naquele dia mais cedo ao seu trabalho, a fim de mais cedo voltar para sua casa, e desta forma ter um pouco mais de tempo para a conversa com o amigo. Pensou mesmo em comprar - e efetivamente comprou - um café tipo exportação para oferecer ao Agricultor.
Chegou ao trabalho, trabalhou intensamente, e de vez em quando pensava no amigo... "Hoje, finalmente, depois de um ano, conversarei pessoalmente com o Agricultor Urbano."
Lá pelas cinco horas da tarde, despediu-se dos colegas, correu para o metrô, e embarcou de volta para Botafogo. Saiu da estação, passou no mercado, comprou pão e o café especial e seguiu para sua rua. Ainda estava lá a turma do uniforme amarelo, e o Moço das Letras novamente passou por eles, e novamente ouviu de um deles:
- Boa tarde meu amigo, aceita um cafezinho, acabei de coar?
Ele pensou mesmo em parar e tomar um café com aquele homem tão sorridente no uniforme amarelo, mas seu amigo já poderia estar na porta esperando por ele; recusou uma segunda vez, esticou o passo e seguiu, dizendo ainda...
- Obrigado Senhor, amanhã quem sabe, tenho um compromisso agora.
O Moço das Letras adentrou sua casa e ficou aguardando a visita do amigo. As horas avançaram, a noite chegou, tarde ficou, o Moço das Letras não cochilou, e o Agricultor efetivamente não chegou. Já era muito tarde quando o Moço das Letras - um pouco decepcionado - foi dormir. Deveria ter acontecido alguma coisa, seu amigo nunca faltava aos compromissos. Esperou ainda mais um pouco e nada, então, finalmente vencido pelo cansaço, deitou e dormiu.
No dia seguinte, dentro de sua rotina, tomou o seu café e seguiu o seu caminho para o metrô. Na rua observou algo interessante: Haviam vários pés de Ipês plantados entre tantos outros pés de oitis. O Moço das Letras estranhou um pouco aquilo, geralmente as árvores plantadas pela prefeitura eram oitis, somente oitis...
Rapidamente então sua mente de matemático funcionou, e ele lembrou-se do bilhete do amigo: "...estarei em sua rua e deixarei a minha marca". Naquele instante alguns homens dos parques e jardins estavam por ali concluindo o trabalho do dia anterior, e o Moço das Letras então dirigiu-se a um deles.
- Bom dia meu Senhor, preciso de uma informação.
- Bom dia.... Pois não?
- Passei por aqui ontem, e um de seus colegas, um homem bem alto me ofereceu um cafezinho.
- Sim...
- Você sabe quem é ele.
- Senhor, ele esteve conosco somente ontem. Passou conosco todo o dia, disse que estava fazendo um serviço voluntário.
- Serviço voluntário?
- Sim Senhor, serviço voluntário. Trabalhou contente da vida conosco todo o dia, uma simpatia de pessoa. Nos ajudou nas podas das árvores e no plantio do oitis, e no final ainda plantou juntamente conosco, algumas mudas de ipês que ele trouxe de algum lugar lá do interior.
- Amigo, você sabe qual é o nome dele?
o Homem do parques e jardins pensou um pouco antes de responder.
- Bem meu Senhor, ele era, apesar da grande simpatia, meu caladão, não sei qual era o seu nome, mas creio que ele estava aqui para conversar com um amigo que mora nesta rua, um certo Moço das Letras...
- Moço das Letras?
- Sim Senhor, este é o nome do amigo dele. Disto eu tenho certeza.
O Moço das letras agradeceu as informações e seguiu o seu caminho. Foi lamentando a sua ansiedade no dia anterior, estava tão preocupado com a visita do amigo, que nem conseguiu perceber que ele estava ali na rua o tempo todo, fazendo o que tanto amava.
"Ah se arrependimento matasse...", pensou ele, rindo de si para si.
Não restava mesmo outra alternativa senão esperar pela próxima oportunidade de conversar com o seu amigo. Ao dobrar a esquerda na rua Marechal Niemeyer, deu uma última olhada para trás, para a sua rua e, infelizmente não viu o amigo lá, mas vários ipês que poderiam crescer por ali, deixando para ele a constante presença do amigo, bem como a lição de humildade, anonimato e simplicidade daquele Agricultor que ele tanto amava, e trazia sempre tão perto de seu próprio coração.
Chegou na estação e embarcou no metrô; a saudade do amigo embarcou também.
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