O Hóspede Indesejado

A casa daquele homem era muito agradável e arejada, com as portas e janelas sempre destrancadas. Em uma tarde, enquanto descansava, alguém bateu à porta...

- Quem bate?

- É o Medo... Preciso conversar com você.

O homem não conhecia Medo nenhum; nenhum parente, amigo, vizinho, ninguém com aquele nome em suas relações... deveria ser algum vendedor, cobrador não era, pois estava com todas as suas contas em dia.  Correu então até a porta, e a trancou.

- Vá embora Medo, não te conheço, estou ocupado, e não quero comprar nada.

No dia seguinte, na parte da manhã, o homem ouviu batidas na porta dos fundos.

- Quem bate na minha porta?

- É o  Medo... Preciso muito trocar algumas palavras com você.

- Não é possível isso - falou o homem - já lhe disse para ir embora da minha casa, não quero conversar com você; não te conheço, não estou disponível para conversa fiada, suma de minha residência.

Muito aborrecido, dirigiu-se à porta dos fundos e a trancou também.

Assim foi durante toda aquela semana; o Medo chegava e batia, e o homem pouco a pouco foi fechando todas as portas, janelas, basculantes, cortinas, persianas... de forma que, algum tempo depois, todas as entradas de sua casa estavam completamente fechadas, e ele lá dentro, completamente isolado do mundo exterior, bem como, segundo o seu entendimento, definitivamente livre daquele inconveniente Medo.

Durante muito tempo o Medo não bateu mais; sentia-se agora aquele homem bastante seguro, tudo muito bem trancado, vivia com relativa tranquilidade, fechado em sua casa, transformada por ele mesmo, em uma inexpugnável fortaleza de sua pseudo segurança.

Numa noite com chuva, fortes ventanias, raios e trovoadas ele ouviu novamente a batida...

- Quem bate?

- Sou eu homem de Deus, o Medo...

Completamente confiante no interior de sua cidadela, percebendo que o Medo não conseguiria entrar de forma nenhuma, fazendo mesmo troça, indagou dele mais uma vez...

- Senhor Medo... você deve ser mesmo um tolo, ou quem sabe um louco. Bater à minha porta numa noite como esta. O que você afinal de contas deseja tanto de mim?

- Desejo simplesmente sair...

- Sair de onde?

- Sair da fortaleza de isolamento onde me encontro, a fim de conversarmos.

O homem achou que o Medo estivesse blefando com ele; não poderia jamais ter entrado, a casa estava muito bem fechada.

- Onde fica esta tal fortaleza Medo?

- Fica onde sempre esteve Senhor... desde o princípio, desde o dia do seu nascimento...

- Por favor Medo, pare de rasgar seda e seja direto: Onde você está afinal de contas?

- Estou dentro de você Senhor, e desejo muito sair.

Grande foi o espanto daquele homem, trancado dentro de sua própria casa, sem nenhum contato com o mundo exterior, completamente isolado naquela noite tão escura, sentindo algo pavoroso e paralisante, não tendo mesmo a quem recorrer, não conseguindo mesmo fugir... fugir daquele sentimento, fugir do seu próprio medo.

Naquela noite fria e chuvosa, imenso foi o seu desamparo, infinita foi a sua dor, chorando solitariamente em um canto de sua própria casa, tendo a consciência, finalmente, de que era ele o carcereiro e ao mesmo tempo o prisioneiro de seu próprio e desconhecido medo.

Comentários

  1. Querido Agricultor Urbano, hoje você conseguiu se superar! Fluidez e clareza para explicar de modo lúdico, um momento crucial do autoconhecimento! Bravo!

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