O Menino Lampião no Reino do Feiticeiro Queirós
Era uma vez uma tarde de inverno, no Reino do Meio, onde habitavam, entre outros, o menino Lampião e sua inseparável amiga, a cadelinha Luz. Havia muita névoa naquele dia, Lampião já havia coletado muitas sementes, estava voltando para sua casa, e com a baixa visibilidade acabou enveredando por outros caminhos dentro da mata; quando deu por si, estava em um local nada familiar, bem árido, com muitas pedras e quase nenhuma árvore. Ali, por teimosia, somente alguns arbustos cresciam no meio daquela desolação.
- Creio que estamos perdidos Luz, - falou o menino - vamos andar por aí a fim de procurarmos o caminho de volta, ou ainda, alguém que possa nos dizer onde estamos.
- Creio que estamos perdidos Luz, - falou o menino - vamos andar por aí a fim de procurarmos o caminho de volta, ou ainda, alguém que possa nos dizer onde estamos.
O menino e sua amiga começaram a andar por aquela região, e então, pouco a pouco, começaram a encontrar pelo caminho inúmeras estátuas de pedra, todas elas, sem exceção, com uma expressão de medo e terror no olhar - seria algum capricho de algum artista?
Enquanto andavam naquele local estranho, Lampião e Luz encontraram várias pessoas, todas elas assustadas e de cabeça baixa, sempre olhando para o chão, evitando qualquer conversa. Depois de muitas estátuas e muito caminhar, chegaram finalmente em um pequeno vilarejo com algumas casas. O menino observou então um homem, que manipulava o barro para a fabricação de vasos, - era um oleiro - e dirigiu-se até ele em busca de informações.
- Boa tarde Senhor... meu nome é Alecrim e estou perdido. Pode me dizer onde estou?
- Boa tarde menino, - falou o oleiro, olhando para o chão - meu nome é Pedro. Você está no Reino do feiticeiro Queirós, o governante todo poderoso de toda esta região.
- Senhor, - tornou a falar o menino - venho do Reino do Meio, e na volta para casa, devido a um forte nevoeiro, perdi o caminho. Encontrei muitas estátuas pelo caminho, foi o senhor quem as fabricou?
- Todas elas de olhares assustados?
- Sim...
- Não nasceram estátuas meninos, e nem foram fabricadas por mim; todas elas foram seres humanos, petrificados pelo cruel olhar do perverso feiticeiro Queirós.
- Não compreendo Senhor...
- Queirós, menino, é um poderoso feiticeiro que habita aqui. Todas as vezes que ele fica enfurecido, é capaz, com o seu duro olhar, de transformar pessoas em pedra.
- Mas Senhor, em que situações o feiticeiro fica assim tão aborrecido?
- Ele é muito autocentrado menino, acha que todo o universo gira em torno dele, e não admite, de forma alguma, ser contrariado por ninguém. Se seus desejos não são atendidos, tamanho é o seu capricho, tão grande é o seu umbigo, ele, logo logo, com o seu olhar penetrante, transforma sua vítima em estátua.
O menino ouvia muito atento o que dizia o oleiro com o olhar, ora no chão, ora perdido no horizonte distante...
- Acontece ainda outra coisa Lampião, em função do que lhe relatei. Neste reino, todos os habitantes passam todo o seu tempo olhando para o chão, ou olhando para o ontem, ou ainda para o horizonte distante, para o amanhã, ninguém olha para o presente, ninguém olha para o outro; aqui menino, todos tem medo de olhar, por um grande medo de olharem um dia, mesmo que por acaso, ou engano, para o olhar presente, duro e vigilante do feiticeiro. Triste é este reino Lampião, aqui, nem os jovens namorados trocam olhares...
Já havia anoitecido, então, por tamanha bondade, Pedro convidou o menino a pernoitar em sua casa. Naquela noite, à mesa com o oleiro, Lampião ouviu muitas outras histórias, a respeito daquele local e de seus humanos petrificados, e tudo aquilo encheu o seu coração de compaixão.
- Lampião, - falou Pedro - existe uma profecia muito antiga, passada oralmente geração após geração, que diz, que um dia virá uma criança que nos libertará para sempre do perverso olhar do feiticeiro.
- Você acredita nela Pedro?
- Acredito Lampião, acredito...
- Lampião, - falou Pedro - existe uma profecia muito antiga, passada oralmente geração após geração, que diz, que um dia virá uma criança que nos libertará para sempre do perverso olhar do feiticeiro.
- Você acredita nela Pedro?
- Acredito Lampião, acredito...
O menino praticamente não dormiu, muitas vezes, ao longo da noite, despertava e ficava pensando na conversa com Pedro e no terrível olhar do feiticeiro Queirós. Ele tinha o profundo desejo de, no dia seguinte, continuar procurando o caminho de volta para a sua casa, mas aquelas estátuas, o sofrimento daquela gente, aqueles olhares perdidos... tudo isso tirava o sono do menino, que ficava pensando e olhando o tempo todo para Luz, à procura de uma solução. Vencido pelo cansaço, Lampião finalmente relaxou e dormiu, e quando acordou no dia seguinte, com o raiar de um novo dia, raiou também em sua mente uma ideia.
Naquele dia, ainda na casa de Pedro, Lampião passou todo o tempo andando pelo quintal juntamente com Luz, conversando com ela o tempo todo, como se estivessem fazendo algum ensaio, ou ainda planejando alguma coisa. Pedro observava apenas, enquanto manipulava o barro. "Não deve ser muito normal este menino, o dia inteiro andando, gesticulando e falando com a cachorrinha", pensou ele. Lá pelas três horas da tarde, o menino finalmente dirigiu-se ao oleiro.
- Pedro, você consegue para mim um grande espelho e um tecido para cobri-lo?
- Espelho?
- Sim Pedro, preciso de um espelho capaz de refletir integralmente a imagem de um homem.
- Tenho um destes em casa.
- Outra coisa Pedro: Podemos levar este espelho amanhã pela manhã na porta da casa do feiticeiro Queirós?
- Você enlouqueceu menino, quer virar estátua?
- Confie em mim Pedro, confie em mim...
- Está bom menino. Amanhã, bem cedo, levaremos o espelho até lá, não é mesmo muito longe daqui, a casa dele fica bem junto à praça central da aldeia.
Naquela tarde Lampião aprendeu a manejar o barro com Pedro, cuidou da horta e das galinhas, e no início da noite ajudou o seu novo amigo a preparar uma sopa. Enquanto comiam e conversavam sentados à mesa, o menino que havia ficado tão calado ao longo de todo aquele dia falou...
- Pedro, amanhã, se for da vontade de Deus, libertarei toda a aldeia do terrível olhar do feiticeiro.
- Que Deus te proteja e te abençoe menino - falou o oleiro, sem entender muito bem como Lampião conseguiria resolver aquele problema.
Pedro então pegou um pequenino vaso de cerâmica e entregou à Lampião.
- Tome aqui um presente para você menino.
Lampião agradeceu, e percebeu que havia algo gravado ali na cerâmica, mas com pouca luz não conseguia ler o que estava escrito. Guardou o presente em seu bolso.
Pedro então pegou um pequenino vaso de cerâmica e entregou à Lampião.
- Tome aqui um presente para você menino.
Lampião agradeceu, e percebeu que havia algo gravado ali na cerâmica, mas com pouca luz não conseguia ler o que estava escrito. Guardou o presente em seu bolso.
Na manhã seguinte, Lampião, o Oleiro e Luz chegaram, juntamente com o espelho à frente da casa do feiticeiro bem cedo, pouco antes do nascer do sol. O espelho coberto com o pano ficou logo atrás do menino, e Luz ficou ao seu lado, atenta ao comando de seu pequeno amigo. O menino então começo a gritar: FEITICEIRO QUEIRÓS, FEITICEIRO QUEIRÓS...
Gritou muitas vezes, muitos da aldeia acordaram e foram verificar o que era, deveria ser louco aquele menino. Alguns instantes depois a porta da casa foi aberta, e saia lá de dentro um homem enfurecido e de semblante extremamente carregado.
- Quem se atreve a gritar em minha porta a esta hora da manhã, quem se atreve?
- Sou eu feiticeiro Queirós, sou eu...
- Quem é você menino estúpido, e o que você quer aqui a esta hora da manhã?
- Sou o menino Lampião, e tenho algo muito importante para dizer-lhe.
- Pois então diga logo seu moleque atrevido, pois serão suas últimas palavras antes de virar pedra.
Lampião olhou para o feiticeiro sem nenhum temor, e então falou em alto e bom som, de forma que todos ali na praça pudessem ouvir:
- FEITICEIRO QUEIRÓS, FEITICEIRO QUEIRÓS... SEU OLHAR É MUITO ATROZ.
O feiticeiro ficou rubro de ódio, aquilo era o fim, não o do mundo, mas o do menino. Todos os que estavam na praça, exceto Luz e o oleiro, correram apavorados. Queirós mirou então o seu nefasto olhar para Lampião, assim como quem aponta uma arma para alguém, e no exato instante do disparo, ou melhor do olhar, Lampião gritou: AGORA LUZ! Abaixou-se rapidamente, tão rápido como um pensamento, ao mesmo tempo em que Luz puxava o pano, fazendo surgir o grande espelho. Tarde demais... Queirós havia olhado com dureza para sua própria imagem refletida no espelho, uma imagem horrorosa, e tão duro e chocante foi a constatação de seu nefasto olhar, que ali mesmo ele ficou paralisado, transformado por si mesmo em uma estátua de pedra.
Logo em seguida o nevoeiro se dissipou, o sol voltou a brilhar, as pessoas voltaram para a praça, e todos os pobres habitantes transformados em pedra voltaram à sua condição humana natural. A alegria voltou ao reino, e a estátua do feiticeiro Queiroz foi transportada para a praça da aldeia, e lá ficou com seu olhar endurecido por muitos anos.
Com o fim do nevoeiro e a incidência da luz solar, Lampião e Luz estavam instantaneamente de volta ao Reino do Meio, naquela paisagem tão familiar. Não havia mais praça, nem oleiro, nem estátuas, nem feiticeiro... Teria ele sonhado? Percebeu então algo em seu bolso; enfiou a mão no seu interior e de lá retirou um pequenino vaso de cerâmica com a seguinte inscrição: "Que Deus te fortaleça diante do duro olhar dos homens presos em si mesmos."
Não havia sido um sonho. Lampião e sua pequena Luz seguiram de volta para casa, porém, no coração do menino, ficou um certo pesar pelo feiticeiro Queirós, petrificado lá naquela praça, vítima de seu próprio e tenebroso olhar.
Lá no reino do feiticeiro, toda aquela geração que havia conhecido aquele homem evitavam olhar para o seu monumento de pedra na praça; eles não tinham raiva ou ódio da estátua, porém, em seus corações havia ficado muito ressentimento, e ainda um certo medo de, quem sabe, o feiticeiro voltar a transformá-los em pedra.
Apesar de petrificado, o pobre Queiros ainda vivia e sofria profundamente, agora, como a única vítima de seu próprio olhar endurecido, preso dentro do seu duro coração de pedra. O tempo avançou, muitos morreram, muitos outros nasceram, e a estatua, que jamais envelheceu, por ser estátua, continuou lá no mesmíssimo lugar.
Apesar de petrificado, o pobre Queiros ainda vivia e sofria profundamente, agora, como a única vítima de seu próprio olhar endurecido, preso dentro do seu duro coração de pedra. O tempo avançou, muitos morreram, muitos outros nasceram, e a estatua, que jamais envelheceu, por ser estátua, continuou lá no mesmíssimo lugar.
Até que um dia, muitos anos depois, um dia em que chovia e fazia frio, passou uma mãe com seu pequeno filho pela praça, e então o menino olhou para a estátua e havia amor em seu olhar... olhou profundamente e percebeu a tristeza e a solidão naqueles olhos de pedra, percebeu que havia dor, distanciamento e tristeza ali, e foi tão grande a compaixão daquela criança pela dor da estátua, que dos olhos do menino brotaram lágrimas... lágrimas também brotaram dos olhos da estátua de pedra, que finalmente despertou.
Daquele dia em diante, naquela aldeia, passou a viver de forma muito feliz, um homem já avançado na idade, que trazia no olhar o mais profundo amor, espelho do que ele sentia em seu próprio coração. Era tão grande o seu carinho por todos, que ele passou a ser conhecido como o curandeiro Queirós, que com suas rezas, cantos e conhecimentos de ciência, e sobretudo com o seu olhar de amor e paz, um olhar terno, mitigava a dor de todos aqueles que passavam pelo seu caminho com os olhos tristes, buscando a alegria do seu doce olhar.
A profecia do povo do reino do feiticeiro Queirós finalmente se cumpriu.
Houve um grande ser, maior que todos os humanos, maior que os reis, que foi adorado por Reis Magos, de terras e conhecimentos distantes, que falou da importância das crianças.
ResponderExcluirEngraçado, fiquei pensando na força invencível, na pureza do coração heróico e nobre do menino Alecrim, vulgo Lampião e sua companheira inseparável, a Luz.
Enquanto houver crianças assim, não haverá necessidade de super-heróis nos Reinos do Norte, do Sul, do Meio, dos Reinos da Autoficçao Inteira!