Poema em Linhas Tortas

Eu, que não tenho nada para falar,
Eu, que tenho tudo para esconder, 
Eu, que sou tão superior,
Eu, que sou tão inferior,
Eu, que sou tão doente e carente e descontente,
Eu, que sou tão diferente,
Eu, que sou tão presunçoso,
Eu, que sou tão apegado e apagado,
Eu, que sou o Príncipe, ou quem sabe o Rei,
Eu, o Grande Rei, o orgulhoso,
Eu, o grande Príncipe, o medroso,
Eu, o Rei do orgulho, 
Eu, o Príncipe do entulho,
Do entulho de minhas desgovernadas emoções,
Quem sou eu então para analisar Pessoa, qualquer pessoa?

Eu, que sou tão fechado,
Eu, que sou tão calado,
Eu que sou tão magoado,
Eu, que sou tão sofrido,
Eu, que sou tão sentido,
Eu, que sou tão perdido,

Eu, que com minha miopia da alma não consigo olhar,
Eu, que com meu coração fechado, não consigo compartilhar...

Eu, que tenho tanto medo da vida,
Eu, que tenho tanto medo da morte,
Eu, que tenho tanto medo do azar e da sorte,
Eu, que não consigo me libertar, por amar minhas masmorras,
Eu, que adoro conchas e grutas e cavernas, 
Eu, que tanto me apego à escuridão,
Eu, que não consigo sorrir, por fechar-me tanto em minha amargura,
Que não consigo levantar-me, por amar tanto meu próprio e quente sepulcro,
Que prefiro correr, por não conseguir caminhar,
Que prefiro criticar, por não ser capaz de participar...

Eu, o meu próprio e minúsculo deus,
Quem sou eu então para analisar Pessoa,
Ou Fernando Pessoa, 
Ou Álvaro de Campos,
Ou Alberto Caeiro,
Ou Ricardo Reis, 
Ou qualquer pessoa...

Eu mesmo um anônimo,
Eu mesmo, anônimo que não me conheço,
Eu mesmo, anônimo que não me reconheço,
Que não me reconheço em pessoa,
Que não me conheço em qualquer pessoa,
Eu, que não consigo ser,
Que não consigo mesmo ser,
Eu, mesmo em pessoa.

Quem sou eu então meu Deus do Céu,
Para analisar em pessoa, Pessoa,
Se sou eu mesmo um desencontrado anônimo,
Com perdidos heterônimos dentro de mim.


Comentários

  1. Eu e os meus outros eus, faço feiuras, tropeço nos tapetes, sou vil ... lendo essa Pessoa me identifiquei.
    Deixei os tapetes e caminho nas trilhas da vida, terrenos aridos e exauridos, como pequeno príncipe, encanto-me com as flores vadias que nascem e crescem sem maiores cuidados,
    Planto árvores e repovoo o terreno devastado, deixando na semeadura, missão de vida, uma floresta, que se transforma na minha aldeia tão linda.
    Abandonei a côrte e vim reinar e pacificar a minha mente e coração.

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