A Negação
Neguei pai, neguei mãe, neguei parentes, amigos e inimigos, neguei toda e qualquer autoridade, neguei tudo, neguei a vida, neguei a morte, neguei Deus...
A negação...
É como um navio eternamente atracado no porto;
É como um abraço oculto e contido que jamais se abrirá para o outro;
É como um imenso trem de passageiros que constantemente circula de portas fechadas, sem carregar absolutamente ninguém;
A negação...
É como um grande coração gelado incapaz de aquecer os demais;
É como uma chuva necessária que se prenuncia, porém jamais cai;
É como uma roseira que jamais exibe suas rosas e seu perfume;
A negação...
É como um governo eternamente incapaz de servir ao seu próprio povo;
É como uma mãe que não dá colo e um pai que não dá pão;
É como um mestre que não ensina e um homem que não vive.
A negação, no seu mais profundo isolamento não pode ser comparada nem com a morte, pois aquele que morreu viveu antes, e a negação jamais experimentou sequer um diminuto tempo de viver, pois a negação trás no seu bojo o maior desprezo por toda e qualquer forma de vida, sendo mesmo a expressão máxima do vazio, do nada, do vácuo e do inútil.
A negação, creio eu, vive mesmo no imenso mundo da escuridão, em um grande castelo com imensas muralhas, cercado por um fundo e fétido fosso, com uma ponte levadiça sempre suspensa, e portões eternamente fechados, onde reside mal e porcamente, com o seu filho, a depressão, a quem, por negar a própria e amorosa maternidade, não ama, agindo como perversa madrasta, e com o seu marido e senhor feudal o orgulho, a quem igualmente detesta, porém é a ele tão submissa, este senhor governante absoluto do imenso feudo de todas as minhas humanas misérias.
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