O Jovem, O Velho e a Escuridão

Era uma vez um jovem que vivia em uma caverna escura e fechada, temia muito a escuridão, e desejava há um longo tempo conhecer um lugar muito distante e iluminado, um local maravilhoso. Ele tomou ciência daquele local através dos inúmeros livros que lia, livros muito antigos - o jovem era muito estudioso - e através de seus estudos descobriu que todos aqueles que chegassem até lá poderiam viver uma vida plena e feliz,  e jamais sentiriam novamente medo, insegurança, solidão, ou quaisquer outros destes sentimentos que doem na alma humana.

O Jovem, com a sua poderosa mente e leituras incessantes, foi aos poucos planejando sua viagem para aquele local, preparando dia após dia  um mapa com todos os detalhes para alcançar seu objetivo, e como possuía uma memória prodigiosa, resolveu memorizá-lo, por temer levá-lo e perdê-lo ao longo do caminho.

Numa manhã, bem cedo, quando já havia luz exterior, o jovem olhou cada detalhe do mapa pela última vez, saiu então de sua caverna para empreender sua longa jornada, e por temer tanto a escuridão, resolveu que viajaria sempre ao longo do dia, e quando viesse o entardecer, no retorno daquela, pararia e descansaria.

Sempre fiel ao seu mapa mental o jovem foi seguindo o seu caminho, atravessou pântanos frios e fétidos, cruzou vales longos e sombrios, escalou altas e escarpadas montanhas, andou por céus e mares, atravessou densas florestas, sempre em direção ao local maravilhoso. Estava determinado, nenhum obstáculo conseguiria detê-lo, e quando vinha a escuridão, por temê-la infinitamente, parava para repousar esperando o retorno da aurora. A viagem era muito, muito longa, contudo, o jovem tinha em si a mais absoluta certeza que chegaria ao seu destino final, estava escrito nos livros dos antigos, era uma promessa para todos os humanos, mais cedo ou mais tarde ele finalmente atingiria sua meta. 

Muito tempo depois da partida começou a andar por um deserto quente, árido e desolado, achou que pudesse estar perdido, consultou seus mapas mentais e descobriu então que estava bem perto, atravessando aquela imensidão estéril estaria finalmente bem próximo ao local maravilhoso que tanto procurava. A travessia foi difícil, muitas dúvidas vieram ao seu coração, muitas vezes sentiu-se desorientado, chegou mesmo a duvidar de sua lucidez e de sua busca, mas mesmo sob um mar de incertezas continuou em frente, até que em uma tarde avistou ao longe e ao alto, muito alto, um lugar muito bonito e iluminado envolto em uma grande e densa escuridão. Consultou os mapas e radiante de alegria, seu coração batia a mil por minuto, constatou que estava perto, muito perto daquilo que tanto buscava.

Como a tarde estava chegando e a escuridão não demoraria a cair, resolveu descansar para finalmente no dia seguinte terminar sua longa viagem. Desde o dia da saída da caverna até aquele momento, muitos anos haviam se passado, ele já não era mais um jovem, mas havia valido a pena, estava agora perto, muito perto do objetivo de toda uma vida.

Quando chegou a aurora do dia seguinte, acordou e terminou a travessia do deserto e então deparou-se com aquela escuridão, como uma barreira física à sua frente, e em algum lugar além daquelas trevas estava finalmente aquele local que ele tanto buscava. Como ele temia a escuridão resolveu andar no seu entorno, deveria existir em algum ponto uma fresta iluminada por onde ele pudesse penetrar. Por muito tempo, anos, incessantemente  ele andou entre a luz e as bordas das trevas, até finalmente descobrir que não havia nenhum ponto de entrada, não havia nenhuma rachadura na escuridão, não existia nenhum atalho iluminado que pudesse levá-lo onde ele tanto desejaria chegar. 

Exausto, consultou novamente seus mapas mentais, cada detalhe, e o mapa terminava justamente no ponto onde ele estava, pelo seu estado de espírito, no fim do mundo, o limiar da escuridão. Sentindo-se frustrado e vencido, sua viagem havia sido em vão, aquela promessa de um local maravilhoso deveria ser uma lenda antiga de pessoas ignorantes, resolveu desistir e retornar. Fez então todo o caminho de volta, chegando muitos anos depois na sua velha, familiar e escura caverna. Entrou, fechou a porta, sentou-se e cheio de amargura chorou... todo o sonho de sua existência havia virado pó, estava agora envelhecido e descrente, sem nenhum propósito para o qual viver.

Seus antigos mapas desenhados na juventude ainda estavam por lá, então, antes de queimá-los, a fim de aquecer seu corpo, não sua alma que estava fria como gelo,  resolveu dar uma última olhada. No mapa estavam os vales, os mares, as montanhas, os pântanos e as florestas, no mapa estava o deserto e todos os lugares por onde ele havia passado, cada nuance do caminho, e no momento em que iria destruí-lo, cheio de rancor, viu algo peculiar, um pequeno detalhe escrito por suas próprias mãos em um canto do papel amarelado... 

"Atenção, alerta dos antigos: No final do deserto você encontrará uma grande escuridão, e para chegar ao seu destino é preciso ter a coragem de atravessá-la. A escuridão é o último obstáculo, e é mais longa que todos os vales, mais alta do que qualquer montanha, mais profunda que qualquer mar, mais tenebrosa que todos os pântanos, mais densa que todas as florestas, e mais árida que todos os desertos da terra. Esta é a escuridão de sua própria alma, aquela que você evitou ao longo de toda a sua vida, o único e real obstáculo que te impedirá de chegar ao maravilhoso local que está agora tão perto de ti, a casa de seu Pai Eterno. Aquele que não tiver a coragem de atravessar a própria escuridão jamais encontrará a porta para entrar."

Na sua juventude ele havia memorizado todo o mapa, mas por alguma razão, provavelmente a cegueira de sua própria alma, aquela valiosa mensagem ou luz final, não havia sido fixada em sua mente, pois o local mais adequado para o seu armazenamento deveria ter sido o coração,  de onde jamais seria apagada. O velho enxugou então as lágrimas, e apesar da longevidade e do cansaço, naquele mesmo instante pegou um pedaço de madeira e passou todo aquele dia preparando um cajado.

Então naquela madrugada perdida no tempo, no apogeu da escuridão, quando principiava a aurora, o velho saiu de sua caverna, havia uma longa viagem pela sua frente, com vales, mares, pântanos, montanhas, florestas e desertos. Partiu cheio de esperança e contentamento interior em direção àquele local maravilhoso e iluminado, a casa de seu Pai, atravessando devagarinho a escuridão de sua própria alma, apoiado por um cajado, levando tão somente, no escaninho de seu coração uma pequena luz, a fim de não mais perder-se pelo caminho.















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