O Menino Lampião na Terra da Promissão

O nome do menino era Lampião, e ele habitava o Reino do Meio, onde passava os seus dias com sua amiga, a cadelinha Luz, plantando árvores. O relato que agora se inicia ocorreu no tempo da Guerra da Escuridão. Nas bibliotecas e livros de história não existe absolutamente nenhum registro relativo a isto, de forma que alguns acham que tudo não passa de uma lenda, como muitos outros afirmam mesmo que existe uma grande lacuna, uma falha histórica.

 Numa manhã, enquanto cuidava das árvores na floresta, o menino notou um grande número de pessoas - como uma procissão em dia santo -, andando em direção as serras que ficavam para o lado do leste. Todos, notou o menino, tinham pressa de chegar ao seu destino.

As pessoas passavam totalmente indiferentes a presença do menino ali, caminhavam com o olhar perdido no horizonte, como se estivessem buscando longe, muito longe, algo muito precioso. Depois de algum tempo, Lampião ficou curioso com relação àquilo, então, aproximando-se da multidão em marcha, dirigiu-se  para um dos caminhantes.

- Bom dia Senhor... para onde vocês vão com tanta pressa?

- Bom dia menino... - respondeu o senhor. - Estamos indo para a recém descoberta Aldeia do Amor... Lá, infinitas espigas nos campos...

- Lá, madeira em abundância por todos os bosques... - falou o segundo caminhante...

- Lá, as mais belas flores nos mais belos jardins - observou uma jovem senhora...

- Lá, a riqueza em forma de pedras brota do chão em profusão - comentou um homem de meia idade...

- Lá, ao longo de todos os anos, os celeiros sempre cheios de grão - relatou um rapaz...

- Lá menino, a terra prometida, a terra da prosperidade e alegria, a terra do constante amor, a terra da promissão - falou ainda uma bela jovem.

E assim, por muito tempo, meses, era constante aquela multidão dirigindo-se de forma afoita em direção à Aldeia do Amor, bem depois das serras, pertinho do mar, e tão próxima mesmo a Aldeia da Negação.

O movimento das pessoas que ia para lá passou a ser tão natural para o menino, que ele já não se preocupava mais em fazer perguntas, já não indagava mais para ninguém o porquê daquela peregrinação constante àquela terra prometida.

Então, nos meses seguintes, o fluxo das pessoas que iam cessou completamente, e aqueles que haviam partido começaram a regressar para suas terras, trazendo daquela aldeia distante carroças e carroças abarrotadas de madeira, grãos, pedras preciosas, tecidos, peles de animais, metais e uma infinidade de outras coisas mais.

Algum tempo depois tudo voltou ao normal, aquela procissão de pessoas não existia mais, ninguém mais ia ou retornava da terra prometida. O que teria acontecido na Aldeia do Amor? indagava o menino, sem encontrar uma resposta. Resolveu então descer aquelas serras e ir ele mesmo na Aldeia, a fim de sanar todas as suas dúvidas.
  
Lampião tinha em mente que estaria indo em direção a um paraíso, tal foi o relato ouvido ao longo de tanto tempo, porem, quando chegou à Aldeia sua decepção foi enorme. O menino observou campos arrasados, bosques destruídos, celeiros vazios; observou um ar de abandono por todos os lados, como se aquele local houvesse sido varrido por um furacão ou outro fenômeno natural qualquer. O que teria acontecido? estaria ele mesmo na Aldeia do Amor, não teria se enganando no caminho? Tudo deserto, tudo triste, tudo abandonado, tudo incerto... Luz e Lampião foram andando por aquelas ruas semi-mortas, ou quase... depois de algum tempo encontraram finalmente uma viva alma.

- Senhor, boa tarde.. é mesmo aqui a Aldeia do Amor.

- Boa tarde menino, é aqui mesmo.

- Meu nome é Lampião, e esta aqui do meu lado é minha companheira, a vira-lata Luz.

- Prazer Lampião, meu nome é Cândido.

- Falaram maravilhas deste lugar Cândido, mas agora que cheguei até aqui somente percebo abandono e desolação.

- Foi mesmo um lugar encantador Lampião; todos as maravilhas que você ouviu sobre esta Aldeia eram verdadeiras.

- Mas Cândido, onde está a Aldeia do Amor, onde a Terra da Promissão?

- Aqui mesmo menino, aqui mesmo...

- Perdoe-me Cândido, mas não consigo mesmo entender.

- Menino... ao longo de muitos anos sempre houve prosperidade por aqui, tudo feito com muito zelo, com muito carinho... cada habitante deste lugar sempre colocou muito amor em todas as suas ações, e o resultado foi o progresso geral,  de forma que, com o passar do tempo, nossa Aldeia transformou-se mesmo em um pequeno oásis no meio do grande deserto ao redor.

- Poucas pessoas conheciam este lugar - continuou Cândido -  e estas, quando aqui vinham, desfrutavam de tudo o que existe aqui, e em contrapartida, como sentimento de gratidão, deixavam também um pouco de si mesmas, ajudando a manter a abundância e o equilíbrio geral.
  
- Entendo Cândido...

- Mas um dia menino, passou por aqui alguém de uma aldeia muito distante, a Aldeia dos Mesquinhos, e ao observar tanta riqueza ao alcance das mãos,  levou tudo o que podia;  chegando à sua Aldeia Natal, relatou para todos os seus iguais tudo o que viu por estas terras; deste dia em diante, como porcos nos batatais, todos eles passaram a vir aqui e levaram tudo o que puderam, não deixando absolutamente nada, uma ação completamente predatória e nefasta, e o resultado é o deserto que você observa agora.

- Eu sinto muito Cândido, sinto muito...

Lampião então observou muitos dos moradores da aldeia saindo de suas casas com ferramentas nas mãos e começando a trabalhar; alguns cuidavam dos jardins das praças, outros removiam o lixo das ruas, mais além alguns plantavam árvores... o trabalho era geral.

- O que eles estão fazendo Cândido? - Indagou o menino.

- Vamos reconstruir nossa aldeia menino, traremos de volta o amor, a beleza e a abundância.

- Mas Cândido, os mesquinhos não poderão retornar no futuro?

- Talvez menino, talvez... sabemos disso, porém nossa natureza é o amor e não podemos negá-la, a fim de não gerarmos em nós dor, sofrimento e culpa. Faremos então o que nos compete.

Naquele mesmo instante Cândido pegou uma cavadeira que estava próxima e começou a cavar covas na praça em estado de abandono, a fim de replantar algumas árvores que estavam ali, próximas a ele. O menino olhou para as mudas, eram belas aquelas árvores, porém ele não as conhecia.

- Que árvores são estas Cândidos?

- São as árvores da gratidão menino. Para que a Aldeia do Amor possa novamente prosperar, precisaremos plantar muitas delas por aqui. Seus frutos são apreciados por todos os habitantes da aldeia, bem como pelos pássaros e animais, e nos fortalece muito na manutenção de tudo o de belo e bom que existe aqui. Os da Aldeia dos Mesquinhos, quando por aqui passaram levaram tudo o que podiam, levaram mesmo os frutos dessa amada árvore, levaram menino, as próprias árvores, deixando aqui somente as sementes da mais profunda ingratidão, que cresce com facilidade, gerando áridos desertos.

Cândido então foi calmamente replantando as árvores. O menino tinha tempo; acompanhou então o aldeão e passou a ajudá-lo naquele trabalho. A praça era grande, a aldeia era grande, e nesta grandeza toda havia ainda muito espaço para a gratidão e o amor, mesmo que um amor pequenino, como um amor de menino, mesmo que uma gratidão infinita, como a gratidão de um homem.




  







Comentários

  1. De tanto ver prosperar o mal, a fé e o amor de muitos esfriam.
    Mas, nada como um menino disposto a servir e um homem disposto a amar com gratidão. ... e o deserto floresce, no Vale de Ossos Secos, a vida retorna! Deus é Amor! Amor é a matéria primordial. Mas separar amor e dependência é um urgente enfrentamento.
    Meus aplausos para a minoria que resiste e persiste: Só por hoje!

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