Feliz e Infeliz do Nascimento

Era uma vez um homem muito feliz, tão feliz, que seu nome era Feliz do Nascimento e Silva. Sua felicidade era total, e por onde ele andava, sua felicidade andava também.

Feliz do Nascimento, um dia conheceu uma linda mulher de nome Infeliz do Nascimento. "Como é infeliz está mulher, vou fazê-la feliz então, darei para ela muita de minha felicidade", pensou Feliz, e Feliz logo se apaixonou e logo se casou com a Infeliz. 

O nome da Infeliz desde então passou a ser  Infeliz do Nascimento e Silva. A Infeliz, ao perceber aquele homem tão bonito e tão feliz, logo imaginou que todos os seus problemas estariam resolvidos; havia finalmente encontrado o príncipe dos contos de fadas, e dali em diante seria muito, muito feliz também.

Feliz e Infeliz passaram a viver juntos, e viviam bem; Feliz do Nascimento e Silva era feliz, e Infeliz do Nascimento e Silva continuava na sua infelicidade, apesar de ter se casado com o Feliz, que procurava a cada dia torná-la feliz também.

Quanto mais Feliz falava de sua felicidade para sua mulher, a Infeliz, mais e mais ela queria aquela felicidade para ela também; seu marido era tão feliz e ela gostaria muito de possuir aquela felicidade, porém, apesar da convivência e da intimidade, não conseguia descobrir onde ela estava guardada. 

Depois de algum tempo, Feliz precisou fazer uma longa viagem a trabalho, e então falou com sua mulher que teria que se ausentar por alguns dias. Infeliz ficou muito preocupada, o marido iria para muito longe, disse para ele então, que seria perigoso ir para lugares tão distantes, levando aquele precioso tesouro, a felicidade; seria melhor, por questão de segurança, deixá-la em casa, sob os seus cuidados.

Feliz do Nascimento e Silva pensou muito a respeito e achou mesmo que a Infeliz tinha razão; poderia mesmo levar a felicidade consigo e perdê-la pelo caminho, o que seria uma lástima total. Resolveu então deixá-la com sua mulher, a Infeliz. No dia da viagem, abriu uma dos escaninhos de seu coração, e de lá retirou uma pequena caixa aveludada, que continha em seu interior toda a sua felicidade. Despediu-se da mulher com um beijo e deixou com ela aquele seu precioso tesouro.

- Infeliz, meu amor, tome conta de minha felicidade, quando retornar pego de volta, - falou Feliz do Nascimento e Silva, enquanto saia de sua casa, já sentindo em si uma pontinha de infelicidade. 

Mal Feliz do Nascimento e Silva virou a esquina, Infeliz do Nascimento e Silva ficou radiante, a felicidade agora estava ali bem pertinho, ao alcance de suas mãos. Mas logo logo ela ficou preocupada e aflita, afinal de contas, Feliz voltaria um dia, e então pegaria de volta a sua felicidade, e ela então voltaria a ser tão infeliz. Naquela noite, depois de muito pensar, pegou a pequena caixa com aquele tesouro, a felicidade do marido, abandonou a casa e desapareceu para sempre na escuridão da noite.

Depois de alguns dias retornou o Feliz, que realizou toda aquela viagem sem muita alegria, a falta da felicidade deixou nele um grande vazio. Entrou na casa e lá não achou a mulher, a Infeliz, lá não achou a caixa com o seu precioso tesouro, lá não achou nada, ou quase nada, achou a infelicidade.

Daquele dia em diante, até o fim de sua vida, Feliz do Nascimento e Silva passou todo o seu tempo à procura da Infeliz do Nascimento e Silva, que havia levado sua felicidade; foi  longa e  vã a busca, e com o passar do tempo Feliz tornou-se infeliz também, lamentando para sempre o fato de ter colocado nas mãos da Infeliz toda a sua felicidade pessoal. Sem se dar conta, Feliz do Nascimento estava irremediavelmente preso  àquela Infeliz, desde o nascimento.

Bem, quanto à Infeliz... não conseguiu ser feliz com a felicidade furtada do Feliz; sua felicidade durou muito pouco, e voltou rapidamente a viver de forma muito infeliz e com muita culpa, porém, continuou buscando por alguém, quem sabe um outro Feliz para, quem sabe, preencher a grande infelicidade que habitava em seu coração, coração infeliz, desde o nascimento.



Comentários

  1. Essa história dos contrários que se atraem, sempre me pareceu perigosa! Os antigos diziam: lé com le, cré com cré!
    Por que será?!

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