A Máquina dos Sentimentos

Era uma vez uma aldeia, em um lugar muito distante, onde, por alguma razão desconhecida, todos os habitantes haviam perdido a capacidade de sentir. Não havia entre as pessoas nenhuma emoção, tudo era feito de maneira formal e racional, de forma que, com o passar do tempo tudo foi ficando meio cinza, meio opaco...

Os governantes da aldeia, preocupados com aquela situação, perceberam o problema, e descobriram que numa terra muito além, muito ao norte, os homens de lá haviam desenvolvido uma máquina com emoção artificial, e então compraram uma delas e a colocaram na praça central, onde ocorria a feira livre a séculos.  

Era uma máquina com mil botões, cada botão com mil parafusos, cada parafuso com mil porcas, cada porca com mil arruelas, cada arruela com mil fios e cada fio com mil portas. Como ninguém sabia o nome correto da máquina, resolveram apelidá-la então de máquina dos mil botões.

Desde então, todos aldeões, ou não, eram livres para apertarem à vontade os seus mil botões; a máquina possuía em cada um dos seus mil botões uma magia... cada botão premido gerava uma emoção que era sentida por quem o premia.

Desde então, diariamente, os aldeões passavam pela máquina dos mil botões, premiam um botão, e recebiam de volta a emoção correspondente. E assim foi ao longo daquele dia, daquela semana, daquele mês... As pessoas iam premendo os botões, e aos poucos, toda a aldeia estava com cada um de seus habitantes carregados das mais diversas emoções geradas pela máquina dos mil botões. 

Com o passar do tempo e o premer constante daqueles botões, todos na vila estavam tristes, deprimidos, aborrecidos, irritados, apáticos, indiferentes, raivosos, ciumentos, era uma lástima total, devia estar acontecendo alguma coisa muito séria com aquela máquina dos mil botões, quem sabe algum defeito.

Vários técnicos do exterior foram chamados pelas autoridades; vasculharam a máquina dos mil botões de cabo a rabo, cada arruela, cada parafuso, cada porca cada rosca, cada botão e não encontram absolutamente nada, a máquina estava perfeitamente funcional.

Com o tempo as pessoas passaram a ter receio da máquina, ninguém sabia que emoção poderia advir daqueles botões, então, aos poucos, foram deixando a máquina de lado, perdendo novamente a capacidade de sentir qualquer coisa - era mais seguro assim - e foram dia a dia novamente mergulhando no mais profundo deserto emocional, e paulatinamente, tudo foi novamente ficando cinza e opaco como antes.

Habitava na aldeia um certo Joaquim, o verdureiro, que morava em uma colina, e descia todos os dias até a feira para vender suas verduras, e então no retorno para sua casa parava e ficava analisando aquela máquina dos mil botões, premia então um deles, e então voltava para sua colina, via de regra radiante de alegria, sentindo em si cada dia mais e mais gosto de viver. 

Joaquim, o verdureiro era uma exceção, era na aldeia o único homem que premia sempre os botões que geravam sentimentos salutares, e enquanto todos os demais fugiam diariamente da máquina, ele, na sua naturalidade de homem simples do campo, cada dia aproximava-se mais e mais dela, e quanto mais próximo, mais descobertas e mais gratidão pela vida.

Visto que os técnicos asseguraram que a máquina estava em bom funcionamento, e que o verdureiro Joaquim era a prova cabal deste fato, as autoridades resolveram então chamá-lo para uma palestra para todos os habitantes da vila, na praça central da aldeia, a fim de que ele pudesse explicar a todos qual era a forma correta de premer os mil botões da máquina dos sentimentos.

- Estudei a máquina dos mil botões, e então entendi o seu funcionamento, falou Joaquim... - analisei cada porta dos mil fios, cada fio das mil arruelas,  cada arruela das mil porcas, cada porca dos mil parafusos, cada parafuso dos mil botões, e finalmente compreendi o funcionamento da máquina no seu todo, e a partir de então, sempre sei quais os botões corretos que devo premer.

Cada botão da máquina está ligado a uma porta, e esta porta, premido o botão, libera a emoção. Abri as mil portas e conheci em profundidade as mil emoções, de forma que de agora em diante, por conhecer a máquina na sua profundidade e no seu todo, posso sempre escolher os sentimentos que quero para mim. Então, diariamente premo o botão da alegria, da amizade, do amor, da solidariedade, e assim por diante... 

As pessoas ficaram olhando para o verdureiro um pouco desapontadas, aquele homem tão simples, quase um ignorante, devia mesmo ser um grande tolo. O verdureiro conclui dizendo...

- Quando estava nas engrenagens mais profundas da máquina, achei ao acaso uma plaqueta, e finalmente descobri o seu nome gravado em alto relevo: Homem.

Pouco a pouco as pessoas foram saindo, o verdureiro era simplório de mais, um tolo, não valia mesmo a pena ouvi-lo, uma grande perda de tempo.

A praça ficou inteiramente vazia, e Joaquim ali solitário foi ainda até a máquina, premeu o botão do amor e saiu então radiante de contentamento, leve como um passarinho, em direção à sua casa. Na sua profunda compreensão da vida, enquanto subia a colina, naquele instante, Joaquim que era homem, sentia também, mesmo sem ter premido o botão da angústia, a angústia dos outros homens também.














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