A Primavera dos Homens
Era primavera, as primeiras chuvas já haviam chegado; o Agricultor preparava a terra, brevemente deitaria no berço do chão muitas novas mudas.
Estava ele ali bem tranquilo naquela manhã, em meio àquelas árvores que cresciam lentamente, distribuindo sombra, frescor, frutos e bem estar para todos.
Estava ele ali bem tranquilo naquela manhã, em meio àquelas árvores que cresciam lentamente, distribuindo sombra, frescor, frutos e bem estar para todos.
Depois de algum tempo de solitude, seu sossego foi quebrado por buzinas, palavras de ordem, ruídos de automóveis, músicas... Subindo a rua, aproximando-se dele, vinha uma longa carreata; era tempo de eleições, e os partidários vinham anunciando as novas promessas de renovação do planeta. O Agricultor ficou por ali com sua enxada na mão, e, aos poucos, a carreata foi passando com sua alegria e seus gritos de ordem, completamente indiferente ao homem ali na beira da rua.
Quase todos os carros já haviam passado, restava somente um, e então este aproximou-se da guia e estacionou; o motorista correu apressado, e bem ali perto do Agricultor, sob o pé de uma frondosa mangueira, tentando esquivar-se da vista de todos, como um cachorro feliz e indiferente, urinou em paz; enquanto aliviava sua bexiga, notou finalmente aquele homem ali do seu lado.
- Bom dia Senhor...
- Bom dia meu amigo, - respondeu o Agricultor.
- Moro aqui perto, e noto sua presença aqui com muita frequência, o que o Senhor tanto faz aqui?
- Cuido da terra.
- Interessante... Sou afiliado ao PODA, o Senhor conhece?
- PODA?
- Sim... Partido Organizado para a Disseminação das Árvores.
- Hum... Parece bom.
- Sim, é muito bom. Nosso partido existe há mais de 80 anos, fazemos reuniões semanais, e então discutimos a melhor forma de plantarmos árvores por todas as regiões do país...
- Já plantaram muitas árvores então, provavelmente milhões...
- Não é bem assim Senhor, não é bem assim... nas reuniões existem muitas opiniões contrárias, alguns são partidários de árvores da mata atlântica, outras correntes preferem as espécias da caatinga; nossos correligionários do sul acham que a solução são as araucárias, porém, os do norte tem a mais absoluta certeza que o problema será resolvido com as árvores da floresta amazônica. Creio que, finalmente chegando ao poder, e com muitas verbas, resolveremos todas estas questões, questão de tempo...
- Mas não plantaram nada, nada?
- Bem... Quando existe alguma solenidade pública, ou um grande evento, ou ainda no dia da árvore, nosso presidente faz um belo discurso, arregaça as mangas da camisa de linho, e então, sob milhares de câmaras e fotógrafos planta uma árvore. Estas imagens correm todo o país, e tem o poder de atrair novos correligionários para nossa causa.
- Mas não plantaram nada, nada?
- Bem... Quando existe alguma solenidade pública, ou um grande evento, ou ainda no dia da árvore, nosso presidente faz um belo discurso, arregaça as mangas da camisa de linho, e então, sob milhares de câmaras e fotógrafos planta uma árvore. Estas imagens correm todo o país, e tem o poder de atrair novos correligionários para nossa causa.
O Agricultor ficou por ali com sua ferramenta na mão, aquele homem já preparava-se para ir embora, a carreata já estava bem longe.
- A propósito Senhor... Havia por aqui muito capim, e agora constato que quase não ocorre mais. O que aconteceu?
- Carpi todo ele meu amigo, bem devagarinho, ano após ano... - falou o Agricultor após abrir um enorme sorriso.
O Partidário do PODA ouviu "comi todo ele...", ficou pensativo, sentiu mesmo compaixão por aquele homem tão anônimo e tão inculto; havia mesmo pensado em convidá-lo para participar de algumas reuniões no diretório municipal, mas não haveria mesmo a menor possibilidade, se estivesse com uma foice na mão quem sabe haveria uma chance, porém com uma enxada...
Fechou apressadamente o zíper da braguilha, despediu-se, acelerou seu automóvel, e dirigiu-se rapidamente em direção à carreata que já estava muito longe.
O Agricultor voltou então à sua enxada e ao seu chão; havia ainda muito capim para carpir, - não havia ali asnos para comê-lo - e muitas pequenas árvores em seu viveiro aguardando pela primavera, não a primavera de setembro a dezembro, a primavera de Deus, mas tão somente a primavera dos homens, que haveria um dia de despertar no coração de todos, em unidade, sem partidos.
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