A Voz do Vento
As pequeninas palmeiras jussaras estavam preocupadas e aflitas; era comum elas crescerem ali rente àquele muro naquele terreno baldio, debaixo da sombra de um limoeiro. Suas sementes eram varridas da pousada ao lado e jogadas ali constantemente, mas, ano após ano, vinha alguém com uma enxada limpar aquela área, e então, todo o esforço de desenvolvimento de cada uma delas era em vão, todas eram, como o mato, carpidas e deixadas ao sol.
O processo ia se repetir — pensavam elas — pois lá vinha um homem com uma enxada na mão, mais uma vez seria o fim. O homem foi até o limoeiro e carinhosamente recolheu cada uma delas, colocando-as em uma bacia onde jogou terra e um pouco d'água. Minutos depois todas as palmeiras estavam dentro da mala de um carro. As plantas continuaram aflitas, achavam que estavam sendo contrabandeadas — por seu grande valor comercial constavam na lista de espécies em risco de extinção —, e resignadamente achavam que seus dias seriam de solidão e isolamento dentro de uma grande estufa, onde seriam vistos por muitos, quem sabe, lá nas distantes e frias terras do atlântico norte.
O carro foi ligado e a viagem teve o seu início, prosseguindo esta por aproximadamente seis horas; estava quente ali dentro daquela mala, os solavancos do veículo eram muitos, o tempo demorava a passar, e a agonia entre as plantinhas somente crescia, — melhor teria sido mesmo a morte rápida através da lâmina da enxada.
Já era noite quando aquele homem chegou em sua casa, e retirando a bacia com as plantas da mala, deixou-a em algum canto de sua garagem. Estava escuro, as plantas estavam exaustas, e era tanto o cansaço, que apesar da agonia e da apreensão geral, acabaram todas adormecendo profundamente.
No outro dia bem cedo o homem pegou a bacia e levou-a para os fundos do seu quintal; as plantas dormiam ainda. Pouco a pouco foi enchendo inúmeros saquinhos com terra e esterco, e em cada um deles colocou uma daquelas palmeiras. Quando terminou a tarefa, pegou um regador e regou abundantemente cada plantinha, e então, aos poucos elas foram despertando de seu sono, uma após a outra.
O alívio foi geral; perceberam que estavam dentro de uma pequena floresta, e não em uma estufa, constataram também que naquele local haviam árvores de inúmeras espécies, inclusive outras jussaras e muitas outras tantas palmeiras. Tiveram também um grande conforto ao perceberem com que amor aquele homem regava e cuidava de cada uma delas, seu olhar mais parecia o carinhoso olhar de um pai, que abre a casa para os filhos depois de uma longa ausência.
Naqueles primeiros dias de outono aquelas palmeiras perceberam que apesar da grande semelhança, nem todos os homens são iguais; descobriram também que a enxada que ceifa pode ser também a ferramenta que ara a terra e promove a vida, e sentiram mesmo um enorme prazer de estarem ali tão juntinhas daquele homem aparentemente tão calado, sereno e absorto, que no silêncio de seu coração acolheu amorosamente cada uma delas. "Quem seria ele?" indagaram cada uma delas.
Ventava naquela manhã, e as pequenas palmeiras ouviram a voz do vento por entre aquelas belíssimas árvores, e em seu sopro suave, lentamente começaram a perceber com seus vegetais ouvidos uma belíssima canção que dizia: "Louvado seja Deus árvores amiga, aqui estou, feliz plantador, aqui estou, eterno servidor, aqui estou e simplesmente sou o Agricultor... Agricultor Urbano."
Previlegiadas criaturas de Deus, as plantas da floresta que conheceram e convivem com o Agricultor Urbano que semeia mudas e colhe florestas de sons de gratidão!
ResponderExcluirAdmiração profunda pelo Eu e os outros eus, do Moço das Letras! Paz e Árvores!