O Mosquito e o Rouxinol
A cidade de Alegre, no interior do Estado do Espírito Santo, fica a mais ou menos 80 Quilômetros de distância de Cachoeiro de Itapemirim, encravada dentro de uma serra, quando você vai chegando, lá do alto das colinas rodeadas de cafezais, consegue avistar lá embaixo, bem longe, o campanário da igreja. Nesta cidade nasceu e cresceu uns certos Oliveiras, estes, viviam em um sítio, de onde tiravam sua subsistência, através do plantio do café, legumes, verduras e cereais, e a criação de aves e outros animais. Com o passar dos anos a família foi crescendo, as árvores nativas que lá existiam foram aos poucos sendo cortadas, a fim de darem lugar à lavoura, e pouco a pouco, havia cada vez mais lavoura e menos floresta, até que a última grande árvore foi cortada, um pé de jenipapo. Depois de mais alguns anos, o sítio deixou de ser viável economicamente, e meus avós o venderam e foram morar na cidade. Como o sustento era fundamental para todos, minhas tias aprenderam o ofício da costura, e daí em diante passaram a ajudar meus avós costurando, todas elas costuravam muito bem, e ao longo da vida, teceram muitos fios para muitas e muitas roupas. Além das costureiras, havia também dois meninos, que passaram a trabalhar na cidade, e com o passar dos anos, ambos tornaram-se mecânicos de automóveis. O tempo continuou passando, meus tios se casaram, o núcleo familiar se dispersou, cada um possuía agora sua própria casa e família, porém minha avó continuou vivendo lá naquela casa amarela, na beira do ribeirão, na Vila do Sul, por muitos e muitos anos, meu avô, o João de Oliveira, aquele que mandou derrubar a última árvore, morreu relativamente novo, de forma que eu só tenho dele a lembrança me dando adeus, quando, estando lá de férias, entrei no ônibus para voltar com minha mãe para a nossa casa no estado do Rio de Janeiro. Era comum eu ir lá uma vez ao ano, visitar os familiares, e nesta época, eu fui pouco a pouco descobrindo tios, primos e outros parentes, uma floresta de Oliveiras, uma beleza. As lembranças que guardo do mecânico da rua Sete, que era, além de tio, também padrinho, são muito ternas, ele era casado com uma professora primária, aquela que andava longas distâncias lá pelas roças, a fim de ensinar as crianças, e possuía em frente à sua casa uma loja de auto peças e uma oficina mecânica, e dali, ele tirava o sustento da família. Era um homem muito dinâmico, parecia que estava ao mesmo tempo em vários lugares, hora estava no balcão atendendo a um cliente, hora orientando alguém na oficina, ou ainda no telefone resolvendo algum assunto, ou em viagem para outra cidade, ele possuía o dom dos viajantes, e assim era a sua rotina, ele era meio elétrico, e por isto, possuía na cidade o carinhoso apelido de Mosquito. Quando ia lá, gostava de ficar por ali, perto dele, mergulhado no seu mundo, ele sempre tirava um tempinho para me dar atenção, e isto era gratificante para mim. Quando as férias terminavam, no dia de ir embora, lá estava o meu tio na rodoviária com uma caixa de bombons da garoto, era um presente dele para mim, o Garoto, e foi sempre assim, invariavelmente, todas as vezes em que eu lá estive nas férias, voltava sempre para a casa com a caixa de bombons. Houve uma vez, em que o ônibus já estava para sair, e ele não estava lá, porém, no segundo final, ele chegou para a despedida, e lá estava a amada e esperada caixa de chocolates amarela da garoto, inesquecível. Ao cair da tarde, o ônibus ia saindo da cidade, subindo a serra através da estrada sinuosa, entre os cafezais, e eu, com a caixa de bombons na mão, sentindo ao mesmo tempo uma enorme melancolia por estar indo embora, mas também uma grande alegria pelo presente e os dias vividos na terra natal dos Oliveiras. Já adolescente, ainda voltei por lá algumas vezes, e estar na casa dele com ele os familiares sempre foi algo muito prazeroso para mim. Com o tempo, meu tio adoeceu, o desgaste da máquina corporal, tal como os carros que ele sempre amou e consertou também precisava de reparos e carinho, e a minha tia, a professora, cuidava dele com aquele imenso amor das mulheres. Até que um dia, chegado os tempos, ele partiu, o Mosquito voou para longe, para muito longe, coisas da vida. Hoje, passados tantos e tantos anos, persiste em mim um profundo sentimento de saudade, gratidão respeito e amor. De vez em quando, compro ainda daqueles bombons amarelos, o garoto, eles resistiram ao tempo, e a lembrança do gesto amoroso, como uma árvore, rebrota em mim, e muitas vezes eu distribuo estes bombons para as pessoas à minha volta e, interessante, é como se o passado voltasse, e agora não sou mais eu quem dá o bombom, quem os dá é o meu tio e padrinho, o Mosquito, o Jorcy de Oliveira, o mecânico que viveu lá na Rua Sete de Setembro, na cidade de Alegre, e que continuará vivendo para sempre em meu coração. Seu gesto de amor para comigo rompeu a barreira do tempo e do espaço, de forma que continuaremos, quem sabe, por todo o tempo que virá, a distribuir daqueles maravilhosos bombons amarelos, o garoto. A igreja e seu campanário ainda podem ser vistos lá do alto da serra, e dizem que nas missas a professora Lourdinha, minha tia, aquela que educou tantas crianças ao longo dos anos, a companheira de toda uma vida do mecânico, canta um canto profundo e bonito, um encanto, canto que passa pelos cafezais, e sobe as serras, elevando-se, elevando-se, um canto de carinho e saudade, um canto de rouxinol, canto que com sua vibração tão cheia de amor eleva-se às alturas infinitas, muito além de tudo o que se pode tocar, alturas onde somente o sentimento pode chegar, alcançando o coração e o ouvido de seu amado Mosquito, aquele que voou para tão longe, o mecânico da rua Sete, o padrinho do Garoto.
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