O Infinito valor de um pedaço de pão
Já se vão 35 anos, mas a lembrança é muito clara para mim. Era jovem, estudante, morava longe de casa, na cidade grande, a barra era pesada, a realidade impunha-se a cada dia, a infância no interior e o lar doce lar com mamãe, papai e irmãos haviam ficado para trás. O dinheiro curto, muito curto, era o suficiente para o aluguel, uma refeição diária no bandejão da faculdade, e algumas idas semanais a minha casa. Andava sempre com uma leve sensação de fome. Muitas vezes via meu colegas fazendo lanche na faculdade, aqueles belos sanduiches recheados de queijo, presunto, aquele cheiro gostoso e penetrante... Ficava sempre longe do trailler, o que os olhos não veem, o coração não sente. Um dia, ainda nos primeiros meses de república, cheguei na kitinete lá pelas 22:00 horas, depois da última aula, era uma sexta feira, morávamos em 5 no cubículo situado no centro de Niterói, em um prédio que possuía um odor constante e desagradável todos os dias do ano. Eu e meu amigo HJN éramos os mais pobres da turma, ficávamos com mais frequência nos finais de semana, de maneira, que neste dia só estávamos nós por lá. Eu era muito tímido, inseguro, de pouca conversa, mas gostava do HJN, alguma coisa fazia sentir-me próximo dele, talvez o sofrimento comum, a solidão, a pobreza, as dificuldades da vida e outros sentimentos mais tenham nos unido tanto. Naquele dia cheguei, e o encontrei por lá, sozinho, lendo um livro. Conversamos um pouco e depois percebemos que o apartamento estava muito sujo, sabe como é vida em república de estudante, todos sujam e poucos limpam. Resolvemos dar uma geral no AP, meu amigo foi varrendo o minúsculo quarto e a pequena sala, lavei o banheiro, e terminamos juntos lavando a cozinha, também bastante pequena. Quando acabamos já passava da 1:00 hora da manhã, estávamos com fome, e não tínhamos nada para comer, abrimos a geladeira e em um primeiro instante só havia água lá, porem, olhando com um pouco mais de atenção, com o olhar da fome, HJN achou um pedaço de bacon bem lá no fundo, escondidinho, não era nosso, mas.... Já era alguma coisa, porém não o suficiente, mais eis que o milagre acontece: Dentro da lixeira havia um pedaço de pão, jogado fora por um de nossos colegas que haviam ido embora. Olhamos uma para a cara do outro, não tivemos dúvida nenhuma, resgatamos o pão, e o comemos com o bacon passado na frigideira. Aquele pedacinho de pão abandonado selou nossa amizade, até nos dias de hoje, quando nos encontramos lembramo-nos daquele dia com muito carinho e saudade. Hoje meu amigo é um médico, destes que são raros de se encontrar por aí, não faz parte do programa "mais médicos", e sim do programa "grandes médicos", atende a todos os pacientes com muito amor, é muito conceituado e respeitado pelo seu trabalho, é querido por todos, muito humano e emotivo. Caso você um dia venha a ter a graça de encontrá-lo pelo seu caminho, pergunte para ele qual o valor de um pedaço de pão, muito provavelmente ele não te dirá nenhuma palavra, porém, é bem possível que grossas lágrimas rolem de seus olhos, provavelmente ele sorrirá e lembrará com infinito carinho daquela sexta feira, daquela cidade, daquele cubículo situado na Avenida Amaral Peixoto, 327 Apto 1009, daquela fome, daquele amigo, daquela panelinha azul que havia sido do seu pai, da marmitinha com comida apimentada da Dona Nely, da festa com a primeira lata de doce de figo com creme de leite, e sobretudo daquele pedaço, daquele pedaço de pão...
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