O agricultor e a solidão

Por do Sol no Cerrado
O agricultor estava solitário (como sempre) naquela manhã de domingo, cuidando de suas árvores, suas queridas árvores. Estava tudo tão bonito e agradável, ele estava muito feliz, uma felicidade interior, que vinha bem de dentro dele, ia olhando as plantas, preparando novas covas para as próximas mudas, procurando por formigueiros, aqui e ali descansava sob a sombra de suas amigas, tudo em paz. Olhou ao redor e não viu ninguém, nem no bosque, nem na rua próxima, nem no bairro logo abaixo da jovem mata, era muito cedo, naquela hora somente ele e os pássaros. Nem sempre havia sido assim, pensou o agricultor consigo mesmo, houve um tempo em que ele sentia um sentimento que doía profundamente, vamos chamar este sentimento de solidão. O agricultor cultivava dentro dele um grande vazio, e achava ele que este sentimento era causado pela ausência das pessoas ao seu redor, quando não haviam pessoas por perto, o agricultor sentia a tal da solidão. Posto isto, ele sempre estava procurando por pessoas, a fim de não sentir-se tão só, porém, mesmo com pessoas no seu entorno, a solidão muitas vezes continuava por lá, rondando o seu caminho e os seus passos. Era mesmo um mistério para ele, mas que a solidão doía, doía, e doía muito. Quando estava com as pessoas, o agricultor falava bastante, falava do futebol, da geografia, da matemática e seus teoremas, falava da política, das notícias dos jornais, dos jogos olímpicos, falava de poetas e seus poemas, era capaz até o agricultor de recitar muitos poemas, alguns bem longos, tudo para tentar espantar a solidão, porém a solidão ria dele e continuava lá, impassível. Houve um dia, lembrou-se o agricultor, era um dia de domingo, que a solidão apertou tanto e tanto o seu peito, que o agricultor resolveu ir a um estádio de futebol assistir a um jogo. Nesta época ele morava em Niterói, lá na região metropolitana do Rio de Janeiro, e na sacada da varanda de sua casa no décimo terceiro andar havia um abacateiro plantando, pobre abacateiro, não conseguia desenvolver-se, não que não recebesse o carinho do agricultor solitário, era mesmo por falta de espaço e terra na jardineira. Voltando ao assunto, ele pegou o ônibus, atravessou a ponte Rio Niterói e chegou ao grande estádio do Maracanã, o Flamengo, com o maior time de sua história iria jogar, havia o Zico, o Adílio, o Júnior, o Raul e tantos outros... O Estádio estava cheio, bem cheio, pensou o agricultor que finalmente a solidão o deixaria em paz, sentou-se e foi acompanhando o jogo, sem muito entusiasmo, mas acompanhou. Houve um momento em que ocorreu o que todos esperam em um jogo de futebol, o gol, Zico, o galinho de Quintino fez um gol, o estádio inteiro ficou de pé todos pularam, gritaram e vibraram com muita alegria, o som era ensurdecedor, porém, por incrível que possa parecer, o agricultor não conseguiu sentir entusiasmo algum, estava alheio a tudo aquilo, e sua amiga, a solidão continuava do seu lado, gargalhando dele. O flamengo ganhou o jogo, o agricultor voltou para sua casa, mais frustrado do que antes, o que estava acontecendo com ele? Somente alguns anos mais tarde o agricultor conseguiu desvendar o segredo da solidão, descobriu após muito sofrimento, que a solidão não era um sentimento causado pela ausência das pessoas ao seu redor, isto era apenas um embuste, uma ilusão, o agricultor descobriu que a solidão era a dificuldade dele, o agricultor, de estabelecer contato e relações fraternas com as pessoas que estavam ao seu lado, como ele não conseguia fazer a comunicação com os seus semelhantes, sentia-se só e isolado, mesmo com muitas pessoas próximas a ele. A partir daquela descoberta que foi tão importante para ele como a descoberta da América por Colombo, o agricultor procurou melhorar o seu contato consciente com o mundo e tudo o que estava ao seu redor, e desde então, nunca mais sentiu a solidão, mesmo estando só no campo, em um domingo bem cedinho, a solidão havia partido, pois era somente uma ilusão causada por sua miopia espiritual. É por isto que o agricultor consegue ficar tantas horas no mato, ou em um outro lugar qualquer, muitas vezes solitário, mas não mais sentindo a solidão, pois ele finalmente conseguiu estabelecer contato com as outras pessoas, e sobretudo consigo mesmo. 

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