O Menino e a Escuridão
Durante o dia ele brincava pelos campos, corria, jogava bola, soltava pipa, subia nas árvores, tomava banho nos regatos, vivia plenamente cada instante sob a luz do sol.
Quando a tarde chegava e o sol ia aos poucos desaparecendo no horizonte, ele se recolhia, pois havia aprendido com os demais a temer a escuridão.
Entrava então em sua casa, fechava todas as portas e janelas, fechava mesmo todas as frestas, a fim de não permitir a entrada da escuridão, acendia então a luz, fechava os olhos e as portas de sua alma, e ficava encolhidinho em seu canto esperando a escuridão passar.
Quando, muitas horas depois, ele ouvia o canto matinal dos galos e passarinhos, abria as portas e janelas de sua casa e de sua alma, e saia novamente para viver sob a luz do dia, sob a luz do sol.
Devia ser muito perigosa a escuridão, pensava o menino, melhor me precaver e fugir dela então...
Um dia porém, encolhidinho em seu canto de olhos fechados, com tudo trancado, ele ouviu o canto do galo e percebeu que podia sair, a escuridão já havia partido, era seguro agora. Abriu então a porta de sua casa e saiu, contudo, naquele dia o galo havia despertado mais cedo, não havia amanhecido ainda, e o menino se viu, de um instante para outro, mergulhado na mais profunda escuridão.
Em um primeiro instante veio muito medo, medo do saci-pererê, medo da mula sem cabeça, medo do lobisomen, medo do boto cor de rosa, medo do pai, medo do professor, medo das autoridades, medo dos demônios do inferno, medo sobretudo de quase todos os homens da terra, medo, medo....
Paralisado ali no meio da escuridão matinal e do seu imaginário medo infernal, o menino percebeu que não havia sido atacado ou devorado por nenhum monstro real ou lendário, e constatou também que aquela escuridão externa que ele observava ali agora, era a mesma que ele vivenciava todas as noites fechando os próprios olhos, a escuridão fazia parte de sua natureza humana, e que não existia nenhuma escuridão externa que ele precisasse temer. Mais relaxado e tranquilo, olhou para o alto e lá viu pela primeira vez a lua e as estrelas, e ficou maravilhado ao saber que mesmo na escuridão havia a abundante luz dos astros do céu.
Daquele dia em diante o menino continuou brincando sob a luz solar, e ao entardecer entrava costumeiramente em sua casa, apagava a luz e deixava aberta todas as portas e janelas, a fim de que a escuridão pudesse entrar também, trazendo a sua própria luz. Fechava então os olhos, abria as portas de sua alma, sonhava e dormia feliz no seu canto, abraçadinho com sua nova amiga, a escuridão, que o embalava carinhosamente.
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