Inimigo Meu

Existe alguém que me incomoda muito, alguém de quem eu não gosto, inimigo meu...

O Inimigo meu já existia na minha infância, e na presença dele perdia toda a naturalidade e retraia-me completamente, escondendo-me atrás das portas, escondendo-me através do medo.

Conforme fui crescendo e andando pelo mundo, novos inimigos meus foram surgindo, e o comportamento em relação a eles sempre foi o mesmo dedicado ao íntimo inimigo meu.

A convicção mais profunda era a de que precisaria me afastar sempre destes inimigos, ou não sendo possível, relacionar-me com eles da forma mais superficial possível.

Fiz isto por décadas, e como resultado, a vida sempre colocou em meu caminho novos inimigos meus, e eu, por falta de tantas portas para continuar me escondendo, defensivamente liberei muito medo a fim de me proteger.

Cheguei mesmo a fugir para longe, quase para o fim do mundo, porém mesmo lá, os inimigos meus estavam sempre presentes, e o medo também.

Sonhei muitas vezes com um mundo sem inimigos meus, um mundo equilibrado e feliz, um mundo de portas abertas, tudo ilusão, os inimigos meus jamais participaram de meus sonhos, porém, sempre estiveram presentes em meus pesadelos reais, onde as portas estavam sempre fechadas.

Quanto mais inimigos meus, mais medo, quanto mais medo, mais dificuldades para viver, quanto mais dificuldades, mais inimigos meus, mais reclusão, mais portas fechadas e alheamento da vida.

Na esperança de ver-me livre dos inimigos meus, tentei imaginar a não existência deles, porém nunca adiantou, os inimigos meus dentro de meus porões mentais, gritavam o tempo todo chamando a minha atenção, clamando pela abertura das portas.

Se preciso fosse, iria a Aparecida, ou Meca, ou Medina, ou ainda trilharia todo o caminho de Santiago, ou quem sabe atravessaria mesmo todo o deserto do Saara, ou finalmente, iria até os confins das cordilheiras do Himalaia, a fim de libertar-me definitivamente dos inimigos meus e encontrar a tão sonhada paz de espírito.

Se preciso fosse dar um abraço fraterno em cada inimigo meu, e olhar nos olhos deles, e no final de uma tarde conversar fraternalmente com cada um deles, certamente não conseguiria, pagaria então a promessa do velho ego, e iria tranquilamente até o fim do mundo a pé, pés descalços.

Humanidade minha cheia de inimigos meus, tão pequena ainda, fortes e presentes são os inimigos meus humanidade minha, fraco e ausente ainda sou eu humanidade minha, omitindo-me da vida através de imaginários inimigos mentais, não participando do concerto universal, e consequentemente, não consertando também as dificuldades inerentes à minha condição humana.

Inimigos meus, inimigos meus... O único inimigo meu mora dentro de mim, e eu o escondo de tudo e de todos.

Inimigos meus, inimigos meus... Não sou eu o inimigo meu, porém ele, como um inquilino, habita bem dentro de mim, orgulho é o seu nome, e o medo é  o seu amigo inseparável, seu fiel escudeiro.

Inimigos meus, amigos meus... Está mesmo chegando a hora de abrir as portas, as portas do meu coração.














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