O Agricultor e o Jacarandá da Bahia

Jacarandá da Bahia
O agricultor andava lá pelo alto do morro observando suas amigas, as árvores que cresciam livremente naquele local a tanto tempo esquecido por todos. O morro era bem alto, lá de cima ele podia ver outros morros, via o contorno do Rio Paraíba do Sul, tão sujo o rio, via casas distantes, e pastos muitos pastos, uma degradação total ao seu redor. Ali naquele local onde ele andava já havia um pouco de sombra, as árvores começavam a trazer a vida de volta para o local, muitos pássaros apareciam durante o dia, outros construíam seus ninhos nas copas das árvores, tudo estava ficando muito bonito. E eis que o agricultor ouve uma voz muito tímida chamando por ele:
-Moço, moço... 
- Quem me chama, respondeu o agricultor? 
- Sou eu moço, o jacarandá da bahia. 
O agricultor olha para o lado e lá estava ele, o jacarandá, crescendo naquele local ermo e seco. 
- Como vai meu amigo? - pergunta o agricultor. Para quem ainda não está acostumado, não se assuste, o agricultor consegue falar com plantas, bichos, e de vez em quando consegue também comunicar-se com as pessoas, o que nem sempre é algo muito fácil de se fazer. 
- Vou mais ou menos moço - respondeu o jacarandá. - Tenho visto que você ultimamente é o único humano que anda por estes lados, você está sempre passando, de um lado para outro, ora sobe, ora desce o morro, carregando terra, sementes, mudas, estrume de gado, e sempre acompanhado dos seus cachorros vira latas. Queria falar a muito tempo com você, mas tive muito medo, porém, hoje criei coragem e resolvi quebrar o meu silêncio, o Senhor me inspira confiança. 
- E qual a razão de tanto medo Jacarandá? 
- Bem, você ao que me parece é humano como tantos outros que já passaram por aqui, e nós, os Jacarandás, estamos ao longo de décadas sendo destruídos, nossa madeira é valiosa para a fabricação de móveis e instrumentos musicais, e quando crescemos muito e nos tornamos belas e fortes, somos impiedosamente derrubadas, a ganância dos homens não tem fim, daí o meu receio. 
- Naquele momento, ao ouvir tudo aquilo, o agricultor sentiu-se um pouco envergonhado de sua condição humana, mas ele sabia que não tinha a mínima condição de mudar o mundo, bem como, não poderia responsabilizar-se pelo ato de seus irmãos em humanidade, porém o desabafo da árvore tocou fundo dentro dele. 
- Agricultor, como você bem observa, fora dos limites deste morro, tudo é deserto, as árvores são raras, tudo degradado, pastos e casas é o que resta, e eu e outras de minha espécie vamos ao longo dos anos tentando nos manter vivas aqui neste local, sempre no anonimato, a fim de não despertar a cobiça. No passado eramos muitas, aqui, além dos jacarandás viviam também paineiras, ipês, braúnas, cabreúvas, pau ferro, pau rei, pau brasil, cedro rosa, embaúbas e um sem número de outras espécies, todas em harmonia. Haviam fontes de água em abundância que iam aos poucos alimentando o nosso irmão o rio, havia frescor, muitos pássaros, uma infinidade de insetos, flores, e animais em geral. Tudo era muito belo, bem diferente do que se observa agora. Porém, nos ultimos 150 anos tudo aos poucos foi sendo destruído, a princípio o fogo, depois os escravos plantando café por todos os lados, logo depois o abandono das lavouras, em seguida o gado, o aumento descontrolado das pastagens, logo após a industrialização e o que restou de nós, as árvores, foi aos poucos sendo transformado em carvão para alimentar os fornos das siderúrgicas, e as caldeiras dos trens de ferro e das muitas olarias que haviam por aqui. A minha presença aqui, bem como a de outras árvores nativas, é um verdadeiro milagre, temos nos mantido vivas, brigando contra tudo e contra todos, a impressão que temos é a de que vivemos em um país de cupins.  
- Eu sinto muito Jacarandá - disse o agricultor. 
- Agricultor, você sabe o que é extinção?
- Sim Jacarandá, conheço o significado da palavra, significa o fim, algo que nunca mais retornará.
- Pois é, nós, os Jacarandás estamos na lista das espécies ameaçadas de extinção, se a devastação continuar, daqui a alguns anos, seremos apenas imagens em livros e mídias em geral. Nossa beleza, nosso perfume, nossa individualidade, nossa graça e singularidade terão se perdido para sempre, para todo o sempre. E ai será o fim, será a extinção.
- Jacarandá, meu amigo - disse o agricultor, - sinto a sua dor, somos irmãos, filhos de um mesmo Pai. Guarde com você a certeza de que hoje eu e alguns poucos tentam preservar a natureza, mas certamente, no futuro, seremos milhares, milhões, e todos nós, árvores, humanos, bichos, e tudo o mais o que existe aprenderemos a viver em harmonia e em paz. Obrigado pelo seu desabafo meu amigo, nunca desista de viver, e sempre que possível, produza algumas sementes, a fim de que eu possa cuidar com amor e carinho de seus futuros rebentos. 
- Agricultor? - pergunta mais uma vez o jacarandá, agora um pouco mais descontraído - Quer dizer que quando eu crescer, você não me cortará para vender minha madeira, quem sabe para a construção de um belo piano? 
- Não meu amigo, não te cortarei e não te venderei. A música que quero ouvir é aquela produzida pelo irmão vento em contato com seus ramos e galhos, pode crescer em paz, é uma promessa. 
- Quando puder meu amigo, volte outras vezes para conversarmos, havia muito tempo que não sentia tanta paz e confiança - disse o jacarandá.
- Fique em paz meu amigo, sempre que possível passarei por aqui, seu perfume é delicioso, sei pelas abelhas que o visitam, e você é uma árvore fascinante, e infelizmente ainda tão desconhecida neste país de cupins. Até breve.
O agricultor seguiu adiante, acompanhado de perto por Billy e Tição, os vira latas, e foi observando aqui e ali um grande número de pequeninos jacarandás brotando pelo chão. Enquanto existir a vida, existirá a esperança, sentiu o agricultor... 

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