Carta à Chuva
Rio de Janeiro, 19 de Janeiro de 2015
Prezada chuva, como tem passado, espero que esteja bem. Escrevo para relatar minha saudade e sobretudo minha preocupação com sua ausência. Não é surpresa para você que sempre fomos tão bons amigos, desde a minha infância sempre houve entre nós uma convivência amorosa, harmoniosa e pacífica. Em momento algum de meus dias já vividos reclamei pela sua presença, qualquer que fosse a hora ou a ocasião sua chegada sempre trazia para mim muita alegria. Você aparecia, eu tomava banho em suas águas, você molhava todas as plantas, a terra ficava cheia de vida, as jabuticabeiras ficavam carregadinhas, o rio Paraíba do Sul fichava cheio até a boca, tudo ficava tão verde, tão vivo, tão bonito... Lembro me bem como era, lá pelos meses de agosto e setembro, meu avô preparava a terra e plantava o milho, logo depois, invariavelmente, você aparecia, meu avô sabia disso, e permanecia conosco de forma constante até o final do verão, início do outono. Lembro-me das minhas andanças pelos milharais de meu avô, as espigas crescendo de forma vigorosa, o cabelo do milho todo vermelhinho, tudo abençoado pela sua magnífica presença. Era certo, nas tardes de verão você aparecia, muitas vezes com raios e trovões, às vezes chovia tanto que mesmo ao meio dia ficava tudo escuro de tantas nuvens, e era tão bonito, que saudades. Querida amiga, em momento algum questionei ou duvidei de sua importância para tudo o que é vivo, sua presença é fundamental para a vida. De uns tempos para cá tenho notado que você está tão diferente, tão inconstante, tão instável e imprevisível. Às vezes, some sem dar nenhum sinal, e de repente aparece de supetão, com muita intensidade, chovendo em horas o que deveria chover em dias. Em determinados dias chega a alagar algumas regiões, e ao mesmo tempo, em locais não tão distantes, desaparece por completo, deixando a terra seca, transformando lugares outrora tão verdes em verdadeiros desertos. O que está acontecendo minha amiga chuva, será que você está, por alguma razão que desconheço chateada com a humanidade, e desta forma resolveu agir assim de uma forma tão estranha? Creio que não, afinal de contas estas questões de mágoa e ressentimento são sentimentos humanos e não dos elementos naturais. Ou será irmã chuva, que eu e os meus semelhantes construímos tantos prédios, destruímos tantas matas, poluímos tanto o ar, jogamos na atmosfera tantos gases tóxicos, tanto CO2, desenvolvemos tanto a monocultura, fabricamos tantos carros, aquecemos tanto o planeta, de forma que o conjunto de todas estas ações venha pouco a pouco dificultando mais e mais sua chegada, e você, com toda sua simplicidade e singeleza não consegue mais, mesmo tentando, aproximar-se de nós para trazer sua divina benção? Não sei qual a resposta minha amiga, mas posso assegurar-lhe que a vida sem você é triste, as preocupações reais começam a aparecer, daqui a pouco estaremos brigando pela pouca água que ainda existe, e caso você não possa realmente voltar, estaremos indubitavelmente fadados ao caos. Caso seja possível, responda a minha carta, gosto muito de você minha irmã, tenho plantado tantas árvores que precisam tanto de sua presença e que como eu sentem tanto a sua falta, e se temos falhado, por gentileza, perdoe-nos, provavelmente não temos consciência do que estamos fazendo. Despeço-me com a certeza de que tudo ficará bem, e que daqui a pouco você retornará minha amiga, quem sabe ainda como antigamente, naquelas maravilhosas águas de março fechando o verão, deixando as goiabeiras pesadas com tantos frutos amarelinhos.
Que Deus nosso Pai te abençoe e proteja, a saudade é imensa...
Atenciosamente...
Agricultor Urbano.
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