Os Meninos da Turma 59

Era um domingo... O Agricultor levantou cedo, tomou seu café, e foi até o viveiro de mudas, de onde retirou uma paineira. Já não chovia a uma semana, o solo estava ficando seco, porém, naquele dia ele precisava plantar a árvore. 

Chegou no campo e achou próximo a um pé de ingá um local semi-sombreado, um ponto ideal para plantar a muda. No local escolhido havia uma grande moita de capim colonião, e o Agricultor gastou muito tempo e energia para retirá-lo de lá com sua cavadeira. Quando começou a cavar o buraco, percebeu a terra bastante dura, e que havia também muitas pedras por ali. Transpirou muito para cavar trinta centímetros, mas enfim conseguiu.

Quando a árvore estava plantada, já passava das nove horas da manhã, então, enquanto os passarinhos cantavam seu canto matinal, o Agricultor silenciosamente agradeceu a Deus pela formatura do seu menino, bem como por todos os seus colegas da turma 59. Por aquela hora a festa deles ainda devia estar em andamento, e eles deveriam mesmo estar dançando de alegria e felicidade pela grande e merecida conquista. 

Então, sob o sol e o céu de dezembro, o céu do fim da primavera, completamente solitário no campo, o Agricultor foi aos poucos deixando a sinfonia dos passarinhos entrar em seus ouvidos, e lentamente seu coração foi dançando também, uma dança de gratidão pela vida e por todos aqueles alegres e esperançosos jovens da turma 59, e enquanto dançava sua valsa solitária, pedia a seu Deus que fortalecesse cada um deles em suas vidas profissionais, nos desafios que ainda viriam, nos diagnósticos futuros, nas cirurgias, exames, consultas, plantões, procedimentos... 

"Senhor meu Deus, esteja sempre com eles e dê a cada um muita força e serenidade, pois Senhor, depois do fim do baile de formatura, vem mesmo a dança do exercício médico - o baile da vida -, que é tão necessária e valiosa, e onde cada passo deve ser dado com muita destreza e atenção. 

Senhor... muitos deles, muitas vezes, estarão  mesmo trilhando o estreito caminho entre a vida e a morte, um caminho muitas vezes tão cheio de dor e sofrimento, lá no limite de toda a ciência humana. Permita Senhor meu Deus, que como está árvore que de agora em diante buscará constantemente a luz do sol, que cada um deles possa também buscar a sua própria e maravilhosa luz interior.

E ainda Senhor.. que o fruto do trabalho de cada um deles seja mesmo como uma frondosa paineira no verão, que sob sua sombra amiga, abriga, conforta e refresca todos aqueles que a procuram, e que, apesar de sua força e majestade, mantendo sempre a simplicidade, jamais deixa de florir, embelezando com suas rosas flores o ambiente ao redor, acolhendo sempre em seus inúmeros galhos todos os pássaros do céu, que passam constantemente para fazer uma visita". 

Então, de forma simbólica, como se estivesse mesmo diplomando toda aquela turma, o Agricultor carinhosamente beijou a pequena muda, prometendo para si mesmo zelar por ela, e seguiu o seu caminho de volta para sua casa. Eram agora quase dez horas da manhã, e de longe, muito longe, chegavam ainda aos seus ouvidos os últimos acordes do baile daquela inesquecível turma, a turma 59, com aqueles doutores tão cheios de vida, tão cheios de alegria, sonhos  e esperança.

Um pouco mais distante agora das árvores que ali cresciam a alguns anos, o Agricultor observou que cada uma delas exigiu muito trabalho, dedicação, força e disciplina, tal qual a paineira daquela manhã. Pensou ainda que esforço, sacrifício e renúncia foram também provas vencidas com méritos por todos aqueles jovens médicos que ainda bailavam. "É mesmo muito gratificante plantar árvores e formar homens", concluiu finalmente o Agricultor.

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