O Doutor Que Veio do Céu
O que vou contar agora já se perdeu nas noites do tempo, porém a emoção de quem me relatou era presente e profunda, como se o fato tivesse acontecido nos dias atuais.
Vamos então voltar no passado, sessenta ou setenta anos atrás, lá pelas bandas da Serra da Mantiqueira, no sul das Minas Gerais, naquelas terras onde a água jorra com abundância e alegria do chão.
Antônio, o vaqueiro, estava doente, o desânimo havia tomado conta de sua vida, não tinha mais forças para cuidar de sua família, de seu gado, de sua lavoura, de suas criações, não tinha mais forças tocar sua viola e contar seus "causos", não tinha forças para mais nada, dia a dia sentia-se cada vez mais fraco, e isto enchia o seu coração de tristeza.
Ele que sempre havia sido tão ativo, passava agora horas e horas do seu dia sentado em uma cadeira, tomado pelo mais profundo desânimo, olhando para fora, para as terras, para as serras, olhando para tudo ao redor, sem coragem para fazer nada, como se estivesse morto em vida, Antônio amava o trabalho, e aquela situação o enchia de desolação e amargura.
Já havia tomado vários remédios, já havia visitado os médicos da cidade, já havia mesmo rezado para todos os santos de sua devoção, porém ninguém descobria o que havia com ele, que sempre havia sido tão ativo, tão dinâmico, tão feliz, tão vivo...
Naquele dia o vaqueiro precisava sair de sua roça e ir até à cidade resolver alguns problemas, saiu cedo de sua casa, deixando a mulher e as crianças, deixando suas coisas e sua gente, e foi caminhando beirando o riacho até a rodovia, onde pegaria um ônibus que o levaria até Itajubá, e como não sentia-se bem, foi andando bem devagarinho, deixando por trás de si um rastro triste, o rastro daqueles que perderam a alegria de viver, de ser, de sentir...
Chegou no ponto e ficou por lá sentado esperando o ônibus que viria lá do alto da mantiqueira, e o tempo foi passando, somente o tempo, o ônibus não. Depois de muita espera naquela estrada onde os veículos eram tão raros, era ainda o tempo das carroças e dos cavalos, passou pelo ponto vindo lá do alto da serra um carro rabo de peixe, talvez um impala, ou quem sabe um cadillac, e depois de passar pelo ponto, - só Deus sabe o porquê - parou, deu uma ré e o motorista informou que o ônibus, o marrom, estava quebrado na estrada, e então ofereceu uma carona para Antônio, que aceitou de bom grado.
No trajeto até a cidade o vaqueiro descobriu que aquele homem era um médico do Rio de Janeiro, e que uma vez por semana clinicava pelas redondezas. O Doutor era gordo e sorridente, transmitia muita paz, contou Antônio, e lá pelo meio do caminho percebeu que ele estava doente, e então perguntou...
- Antônio, você tem lá na cidade algum local, casa de parente ou amigo, onde eu possa te examinar?
-Sim, - respondeu Antônio.
Chegando na cidade, Antônio, juntamente com o médico, dirigiram-se à casa de um parente, onde foi examinado, e então o Doutor diagnosticou uma gastroenterite, foi até o seu carro, abriu uma enorme mala, pegou uma série de remédios e disse como o vaqueiro deveria tomá-los pelos próximos meses.
Examinado Antônio, o médico seguiu o seu caminho e desapareceu tão repentinamente quanto apareceu, não cobrando absolutamente nada. Antônio tomou os remédios conforme a prescrição, e dois meses depois era outro homem, a saúde havia voltado, o gosto de viver e a alegria também.
Décadas depois, cheio de lágrimas nos olhos, tocando sua vida e sua viola, Antônio conta que nunca mais soube daquele Doutor, sentindo eternamente por ele o mais profundo sentimento de gratidão, e que se fosse mesmo possível iria a qualquer lugar do mundo, qualquer lugar, para dar nele, ou nos seus filhos, ou ainda nos seus netos um grande, caloroso, apertado e demorado abraço, um abraço de amor.
Antônio jamais soube o seu nome ou endereço, sabe somente que ele mora em um cantinho do seu coração, e a lembrança mais terna que lhe ocorre, é que naquele dia tão distante aquele Doutor não havia descido a Serra da Mantiqueira, havia descido mesmo era do céu, no seu encantado carro com rabo de peixe, cheio de simplicidade e pureza de coração, e ele era muito mais do que um médico, era mesmo um anjo enviado por Deus.
Corre o riacho, corre a vida, corre o tempo, corre Antônio pelos campos cuidando de tudo que ama, tocando sua viola, tocando sua vida...
Antônio jamais soube o seu nome ou endereço, sabe somente que ele mora em um cantinho do seu coração, e a lembrança mais terna que lhe ocorre, é que naquele dia tão distante aquele Doutor não havia descido a Serra da Mantiqueira, havia descido mesmo era do céu, no seu encantado carro com rabo de peixe, cheio de simplicidade e pureza de coração, e ele era muito mais do que um médico, era mesmo um anjo enviado por Deus.
Corre o riacho, corre a vida, corre o tempo, corre Antônio pelos campos cuidando de tudo que ama, tocando sua viola, tocando sua vida...
Lindo demais.
ResponderExcluirEu morei em Itajubá.
Itamonte, Itanhandú, Delfim Moreira, Brasópolis, Caxambú, São Lourenço, Carmo de Minas, Passa-Quatro, Natércia, Dom Viçosa, Pedralva, Santa Rita do Sapucaí, Maria da Fé, Heliodora, Lorena, Piquete...
.Tudo isso era por ali...
Amo a mantiqueira e toda aquela região maravilhosa...
ExcluirAmo a mantiqueira e toda aquela região maravilhosa...
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