As Bolotas Divinas
Manhã de Sexta feira, tudo cinza, um cansaço mortal, o lado urbano do agricultor abre a guarda, o pessimismo toma conta de sua alma, está cansado, está sedento de luz e paz. Ao longo da semana que está chegando ao fim leu jornais, bebeu um pouco do pessimismo do mundo, teve mesmo dificuldade de lidar com algumas pessoas carentes de compreensão, pessoas autoritárias e cheias de razão, sua alma está agora em frangalhos, precisa muito de liberdade, precisa desesperadamente sair de sua prisão interior.
Já é a terceira semana de novembro, a primavera chegou, as chuvas não, sem chuvas, sem árvores, meu Deus do céu... Arruma sua bolsa e sai como um ébrio pelas ruas de Botafogo rumo ao metrô, desce a Assunção, cruza a Niemeyer, passando pelo hospital Samaritano, doente como está, o desejo é quase o de entrar e pedir para passar ali algum tempo, precisa urgentemente de uma transfusão, não de sangue, de celulose, porém ele sabe que aquele hospital é para o corpo e não para a alma, segue adiante, já está na Bambina, sente se preso no asfalto, preso no concreto, preso no tênis, precisa de ar, de sol, de céu, de luz, sua alma está como chumbo, vira à esquerda, uma rua cheia de ipês, que maravilha, sente-se agora mais revigorado, segue pela Muniz Barreto, coleta umas sementes de cássia rosa espalhadas pelo chão, desce as escadarias e embarca no trem subterrâneo.
Vai trabalhando ao longo daquela manhã, tentando fazer tudo da melhor maneira possível, céu cinza, vida cinza, a hora avança, onze e meia, despede-se dos colegas, vai embora, seus pés precisam de chão, sua alma carece de luz e esperança.
Embarca no ônibus intermunicipal, a metrópole vai ficando para trás, o sono vai aos poucos chegando, deixa-se levar, a viagem prossegue e ele ali meio adormecido, meio acordado, a paisagem mudando, as árvores aparecendo, os morros ao longe, a serra ao fundo, o rio, o céu, as campinas...
Já está no interior, na sua cidade, embarca em outro ônibus e segue em frente, e aproximando-se de sua casa avista ao longe aquela mancha verde, são elas meu Deus, são elas, minhas amigas, minhas irmãs, minhas árvores, o coração bate mais forte, desce do ônibus, vai subindo a colina, a alma mais leve, vai subindo a ladeira e chega lá no alto do morro, pertinho do céu, que já está mais azul, abre o portão, os vira latas percebem e começam a latir de alegria e contentamento.
Entra em sua casa, os bichos latindo, querem ver e lamber o dono, no fim do corredor abre a porta e é recebido pelos de quatro patas que pulam em suas pernas, a festa começa, é muita alegria, já está descalço, já está indo em direção à escada, já está subindo em direção ao quintal, tudo mudou, sua alma mudou, o contentamento pela vida voltou...
Sente agora o frescor das árvores, apesar das poucas chuvas para o mês de novembro, o verde já se faz presente, vai caminhando, respirando, contemplando, agradecendo, e de repente o presente divino, é muita graça, muito encanto, muita beleza, muita benção...
Depois daquela semana tão difícil em que ele deixou-se levar pelas paixões do mundo, estava ali bem na sua frente, aquela jabuticabeira carregadinha de frutos pretos presos ao tronco, de cima em baixo. O agricultor olha para aquela visão do céu, chora de alegria, dirige-se para ela, senta-se calmamente, e enquanto vai afagando seus amigos carentes, vai aquietando seu corpo, sua mente, sua alma e seu coração com aquelas divinas bolotas pretas, um presente do seu Pai, o criador, que naquela hora o acalentava também.
Noite de sexta feira, choveu bastante, a primavera finalmente chegou, amanhã tudo será como sempre foi, azul, azul da cor do céu...
Noite de sexta feira, choveu bastante, a primavera finalmente chegou, amanhã tudo será como sempre foi, azul, azul da cor do céu...
Obrigado.
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