Um Certo "Seu Manoel"

Nina, Tição e Miúda
O agricultor, terminando a lida do dia, feliz da vida com as plantas bem cuidadas, o mato carpido, as árvores crescendo com vigor sob a luz do sol, vai subindo o morro em direção à sua casa, e então vem à sua memória lembranças de sua infância, lembranças daquele homem... 

"Não sei de onde ele veio, sei somente que um dia passou lá pela casa de meus avós a procura de trabalho e lá foi ficando, ajudando nas atividades do campo, e com o tempo e sobretudo pela generosidade de João e Francisca, "Seu Manoel" acabou instalado de forma definitiva, arrumaram um quarto para ele, - em casa de pobre sempre cabe mais um - de forma que passou a fazer parte da família. "Seu Manoel" era analfabeto e coxo, nunca consegui precisar sua idade, mas com suas calejadas e habilidosas mãos manejava a enxada como poucos, era muito trabalhador, e depois de algum tempo dava mesmo gosto de ver o roçado todo carpido, uma beleza. Apesar da falta de instrução, era de uma profunda educação para com todos, quando ia à casa de minha mãe, jamais entrava sem tirar o chapéu e pedir "Licença Sa Dona" e quando sentava-se à mesa para almoçar, portava-se com uma dignidade de dar inveja a muita gente letrada. 

E depois de muitos anos e muito convívio, "Seu Manoel" passou a visitar cotidianamente um asilo na cidade de Barra Mansa e lá encontrou Dolores, o seu amor, tudo isto depois de muitas primaveras sob o sol, já no outono de sua vida, e então depois de uma longa vida de trabalho pelos campos, resolveu retirar-se, ou melhor asilar-se, e no asilo, ao lado de sua amada continuou vivendo de forma simples e feliz os seus dias, o amor é mesmo fascinante. Nunca mais soube dele..."

O Agricultor sente no peito um sentimento profundo de respeito e carinho por aquele homem tão rude, tão autêntico e tão simples, que como ele também amava o campo e as coisas da terra, e percebe somente agora, muitos e muitos anos depois, que na sua mais profunda simplicidade, "Seu Manoel" foi para ele um grande mestre, assim como outros que ele encontrou pelas escolas da vida, um mestre iletrado, que ganhou com dignidade o pão de sua vida manejando com amor ferramentas rudes como a foice e a enxada, um mestre que não sabia sequer soletrar, mas que com o seu olhar de Homem, sem uma única palavra, ministrava verdadeiras aulas de bondade, um catedrático.


"Onde quer que estejas, que Deus te abençoe "Seu Manoel", que Deus te abençoe..." , vibrou para o universo  este desejo o agricultor, seguindo o seu caminho, com sua amada enxada na mão, imaginando ainda seu mestre lá no céu, entre as estrelas, carpindo o chão divino e semeando girassóis cheios de luz e amor.

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