Meu Amigo Passarinho, Meu Amigo João
No princípio era o verbo, e o verbo estava com Deus, e o verbo era Deus...
Assim começa o evangelho de João, o evangelista.
João para o meu coração é um nome sagrado, João Pereira foi o meu avô, João de Oliveira foi o meu outro avô, João é o meu filho, e um dia, pela graça de Deus conheci o pequenino João, que desde o primeiro olhar passou a ser meu amigo, como se aquele primeiro encontro fosse simplesmente o despertar de uma amizade que já existia a milênios.
João era de uma simplicidade e sinceridade extrema, coisa de João, sorriso farto, jeito alegre, olhar profundo, contagiante e verdadeiro, uma simpatia. Acordava sempre cedinho, trabalhava como construtor, sobretudo de casas, sua principal ferramenta de trabalho era uma pequena colher de pedreiro, que ele manejava com elegância e destreza, comia só um pouquinho, seus sapatos eram do tamanho dos sapatos dos meninos, ou menor, seu passo era mínimo, seu andar era máximo e leve, sua altura podia mesmo ser medida em centímetros, eu precisava mesmo abaixar-me a fim de abraçar aquele pequenino gigante.
E eu me perguntava como que um homem tão diminuto tinha tanto jeito para lidar com o barro, com a terra, com a cal, com os tijolos, com o cimento, e sobretudo com as pessoas... Sua versatilidade em uma construção era um encanto, apesar da idade já avançada, o vi muitas vezes cheio de leveza, ele não andava pelos canteiros das obras, ele simplesmente voava. Como pode meu Deus, pensava eu, um homem voar, e no seu voo ainda construir casas, qual seria afinal de contas o segredo do meu pequeno amigo?
Ah meu Deus, se eu soubesse que estaria com ele somente por dezesseis anos, se eu soubesse que naquele último sábado de julho estaria falando com ele pela última vez, penso agora com pesar, ou ainda com saudades, que teria prolongado mais a conversa, quem sabe por toda a eternidade, teria me abaixado mais vezes e dado mais abraços, teria caminhado mais ao lado dele, conversado mais, ficaria mais próximo, era tão bom para mim a presença dele, que achei na minha inocência, que como um presente divino, seria eterno, porém...
Como a vida dele foi toda cheia de simplicidade, sua forma de partir também foi mais ou menos assim, sem muitas complicações, e numa sexta feira à noite deu entrada no pronto socorro, e no sábado, sem aviso, quando a luz do sol estava a pino, de uma forma serena, sua luz, como a luz de um toquinho de vela, se extinguiu.
Meu amigo foi sepultado no alto de uma bela colina, num domingo de céu azul e nuvens brancas, muitos outros amigos dele estavam lá, e eu dou testemunho e fé que neste dia os passarinhos do céu voaram baixinho, e ficaram por ali pelas árvores próximas esperando, esperando... E a pequenina sepultura dele estava coberta com um sem número de flores, mais parecia um jardim, e então eu vi um levíssimo movimento, vi um pássaro despertando no meio daquelas rosas todas, e tardiamente descobri que o meu amigo não era um homem comum, era na verdade um passarinho que estava prestes a abrir suas asas e voar pelos céus da vida, juntando-se finalmente aos seus irmãos alados que já estavam à sua espera...
E somente naquele instante derradeiro eu finalmente compreendi a facilidade imensa que ele tinha para fazer casas, agora era muito claro meu Deus, o meu amigo era um João... um João de Barro, que além das muitas casas, construiu sobretudo muitas pontes de amores e eternas amizades por todos os lugares por onde passou, e que agora estava voando para o alto, para muito alto, a fim de construir brilhantes estrelas no céu.
No princípio era o João, e o passarinho estava com o João, e o João era o passarinho...
Assim terminou a vida terrena do meu inesquecível amigo João, o de Barro.
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