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O Agricultor, o Hibisco e a Vaca

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Era uma quarta-feira de cinzas; o Agricultor Urbano acordou cedo e cedo resolveu visitar as árvores no campo; não levou nenhuma ferramenta. Não demorou muito e encontrou subitamente no seu caminho a vaca do pasto ao lado — isso mesmo, uma vaca — que, ao deparar-se com um grande vão na cerca de arame farpado, resolveu tomar o seu café matinal no campo alheio. Após reconduzir o ruminante para o seu devido lado da cerca e posteriormente consertá-la, o Agricultor constatou que muitas mudas haviam sido pisoteadas, e este fato acinzentou um pouquinho o seu coração. Continuando suas andanças, percebeu pela escassez das chuvas que o solo estava muito seco, dificultando sobremaneira o desenvolvimento das plantas, levando mesmo algumas à morte, e isto acinzentou mais um pouquinho o seu coração. Não demorou muito e ele observou algumas árvores que foram duramente  atacadas pelas saúvas, e outras lutando para sobreviver em meio ao rústico e hostil capim africano que crescia desenfreadamente, l...

Plantar Não é Preciso

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Era um domingo de verão; o Agricultor Urbano, como de costume, estava no campo cultivando árvores,  acompanhado como de costume pelo seu inseparável vira lata Tição. Estava prestes a terminar sua lida sob um calor escaldante, quando foi abordado por alguém que desfrutava a sombra de uma gameleira nas bordas bosque. — Bom dia Agricultor! — exclamou o desconhecido. — Bom dia senhor — respondeu o Agricultor. — Moro aqui perto e venho observando a alguns anos o seu trabalho no campo, e percebo muitas perdas. — Perdas? Como assim perdas? — inquiriu o Agricultor com sua enxada na mão. — Tenho uma visão matemática sobre o seu trabalho; observando o campo ao longo dos anos, percebo que está havendo uma perda de mais ou menos 40 por cento das mudas plantadas, ou seja, para cada dez mudas que o senhor planta, quatro são perdidas. Creio que esteja ocorrendo uma operação matemática denominada subtração. Ao comentar sobre isto o matemático fez um movimento parabólico com o seu braço em direçã...

O Marido, a Mulher, o Rio e a Calça

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O incidente narrado não ocorreu em Antares, uma cidade fictícia onde se passa a trama do magistral romance  de Érico Veríssimo , porém, numa outra  cidade, uma cidade real cortada pelo rio Paraíba do Sul, que faz uma volta redonda na tentativa de voltar para a sua nascente — nostalgia, talvez —, mas, logo em seguida muda de ideia, assume suas responsabilidades, faz uma segunda volta redonda e segue naturalmente o seu curso. A mulher chegou do seu trabalho por volta das 12 horas, e, encontrando o marido trabalhando no computador, resolveu falar para ele sobre um fato ocorrido naquela manhã. — Onde já se viu isto — falou a mulher —, fui criticada hoje por um colega de trabalho por estar usando uma calça rasgada e desbotada. Observando a calça da mulher, o marido constatou que o colega dela de fato não havia mentido, mas, obviamente ele não comentou isto com ela . — Marido, meu colega não entende nada de vestuário feminino; esta calça está na moda, é nova e cara, e foi comprada r...

O Homem que falava com as árvores

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Era uma vez, em uma destas primaveras já passadas, um vaqueiro no alto de um morro e de seu cavalo; enquanto cuidava do seu gado e de sua vida, observou ele pela primeira vez, ao longe, em uma área pública e completamente tomada por capim africano, um homem solitário detendo-se por algum tempo na observação do tronco de uma árvore queimada e sem copa  —  a única árvore naquele local.  Ao longo dos meses seguintes, o vaqueiro constatou que de forma sistemática e disciplinada, aquele solitário homem tão somente acompanhado por um fiel cão sempre voltava àquele pasto, observava bem de pertinho e por algum tempo  o tronco queimado e depois, com sua enxada carpia o capim no seu entorno, e com sua cavadeira cavava pequenas covas, onde pacientemente plantava mudas de árvores — "alguns homens gostam de cuidar das árvores, outros, como eu, gostam de lidar com o gado", pensava o vaqueiro no seu silêncio de homem do campo. Notou então o vaqueiro, alguns meses depois, que o c...

O Agricultor, a Semente, o Broto e a Voz

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O Guapuruvu  ( Schizolobium parahyba),  é uma árvore nativa da mata atlântica, e sua semente, tão dura quanto uma pedra, pode demorar muitos meses para germinar. A futura árvore, em estado potencial no interior do seu invólucro, de alguma forma  obedece plenamente a uma  sábia voz interior, determinando o momento do fim da dormência e o princípio do processo de germinação, quando a sorte é finalmente lançada, sem possibilidade nenhuma de retorno  —  isto não é uma afirmação atestada por rigorosos padrões científicos.  "Aguarde mais um pouco, agora é inverno", diria a voz para a árvore virtual; "este ano teremos um grande período de seca, não germine ainda", continua soando a voz, ou ainda "você está em um terreno pedregoso, aguarde o andar dos acontecimentos." A semente confia plenamente na sua voz interior, e permanece adormecida, confortável e segura, tal como uma criança no colo de sua amada genitora  — em decorrência do silêncio das crianças,...

A Criança Interior e o Agricultor Urbano

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Tenho alma de agricultor, porém, nasci, fui criado e educado em cidades cercadas de casas, prédios, ruas asfaltadas, viadutos... apesar de tudo isto, o agricultor em mim jamais me abandonou, então, com o passar do tempo e a pertinaz insistência do homem da terra, acabei transformando-me em um Agricultor Urbano.  Hoje, dia de Natal, acordei cedinho;  um pouco antes de pegar minhas ferramentas,  vi lá uma certa criança num canto da casa. Ela olhava com olhar distante a chuva tamborilando na vidraça da janela, e seu olhar era um olhar distante, um olhar de saudade e de vazio. Cheguei devagarinho perto dela e toquei na janela, e ao tocar, ela olhou para mim. "Vamos lá fora brincar na terra criança!", disse eu. "Eu gosto da chuva e da terra", falou a criança; "eu também gosto", respondi para ela, enquanto saíamos juntos em direção ao quintal, acompanhados pelo meu fiel vira lata Tição. "Eu gosto de quintal e de cachorro vira lata", comentou a criança ...

Domingo No Parque

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Era uma vez um domingo, um menino com saudades do pai distante, e um parque de diversões; naquele final de tarde ele finalmente iria até lá. Naquela época, no local onde vivia o menino dinheiro era algo muito raro de encontrar, muito difícil de ganhar, e muito fácil de gastar. Mas finalmente o menino tinha em mãos três dinheiros: O dinheiro de ida no lotação até o parque; o dinheiro para brincar em um dos inúmeros brinquedos, e o dinheiro de volta para a sua casa na condução — os contemporâneos do menino chamavam o ônibus de lotação ou condução. O desejo do menino era gastar todo o dinheiro nos brinquedos, mas o parque era longe, então, já no lotação quase vazio e, com um dinheiro a menos no bolso, ele ia pensando em todos aqueles maravilhosos brinquedos, já brincando mesmo com cada um deles em sua fértil imaginação. Vinte minutos depois e com dois dinheiros no bolso, o menino estava no parque, e no parque música, balões coloridos, pessoas falando por todos os lados e ao mesmo tempo al...