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O Marido, a Mulher, o Rio e a Calça

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O incidente narrado não ocorreu em Antares, uma cidade fictícia onde se passa a trama do magistral romance  de Érico Veríssimo , porém, numa outra  cidade, uma cidade real cortada pelo rio Paraíba do Sul, que faz uma volta redonda na tentativa de voltar para a sua nascente — nostalgia, talvez —, mas, logo em seguida muda de ideia, assume suas responsabilidades, faz uma segunda volta redonda e segue naturalmente o seu curso. A mulher chegou do seu trabalho por volta das 12 horas, e, encontrando o marido trabalhando no computador, resolveu falar para ele sobre um fato ocorrido naquela manhã. — Onde já se viu isto — falou a mulher —, fui criticada hoje por um colega de trabalho por estar usando uma calça rasgada e desbotada. Observando a calça da mulher, o marido constatou que o colega dela de fato não havia mentido, mas, obviamente ele não comentou isto com ela . — Marido, meu colega não entende nada de vestuário feminino; esta calça está na moda, é nova e cara, e foi comprada r...

O Homem que falava com as árvores

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Era uma vez, em uma destas primaveras já passadas, um vaqueiro no alto de um morro e de seu cavalo; enquanto cuidava do seu gado e de sua vida, observou ele pela primeira vez, ao longe, em uma área pública e completamente tomada por capim africano, um homem solitário detendo-se por algum tempo na observação do tronco de uma árvore queimada e sem copa  —  a única árvore naquele local.  Ao longo dos meses seguintes, o vaqueiro constatou que de forma sistemática e disciplinada, aquele solitário homem tão somente acompanhado por um fiel cão sempre voltava àquele pasto, observava bem de pertinho e por algum tempo  o tronco queimado e depois, com sua enxada carpia o capim no seu entorno, e com sua cavadeira cavava pequenas covas, onde pacientemente plantava mudas de árvores — "alguns homens gostam de cuidar das árvores, outros, como eu, gostam de lidar com o gado", pensava o vaqueiro no seu silêncio de homem do campo. Notou então o vaqueiro, alguns meses depois, que o c...

O Agricultor, a Semente, o Broto e a Voz

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O Guapuruvu  ( Schizolobium parahyba),  é uma árvore nativa da mata atlântica, e sua semente, tão dura quanto uma pedra, pode demorar muitos meses para germinar. A futura árvore, em estado potencial no interior do seu invólucro, de alguma forma  obedece plenamente a uma  sábia voz interior, determinando o momento do fim da dormência e o princípio do processo de germinação, quando a sorte é finalmente lançada, sem possibilidade nenhuma de retorno  —  isto não é uma afirmação atestada por rigorosos padrões científicos.  "Aguarde mais um pouco, agora é inverno", diria a voz para a árvore virtual; "este ano teremos um grande período de seca, não germine ainda", continua soando a voz, ou ainda "você está em um terreno pedregoso, aguarde o andar dos acontecimentos." A semente confia plenamente na sua voz interior, e permanece adormecida, confortável e segura, tal como uma criança no colo de sua amada genitora  — em decorrência do silêncio das crianças,...

A Criança Interior e o Agricultor Urbano

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Tenho alma de agricultor, porém, nasci, fui criado e educado em cidades cercadas de casas, prédios, ruas asfaltadas, viadutos... apesar de tudo isto, o agricultor em mim jamais me abandonou, então, com o passar do tempo e a pertinaz insistência do homem da terra, acabei transformando-me em um Agricultor Urbano.  Hoje, dia de Natal, acordei cedinho;  um pouco antes de pegar minhas ferramentas,  vi lá uma certa criança num canto da casa. Ela olhava com olhar distante a chuva tamborilando na vidraça da janela, e seu olhar era um olhar distante, um olhar de saudade e de vazio. Cheguei devagarinho perto dela e toquei na janela, e ao tocar, ela olhou para mim. "Vamos lá fora brincar na terra criança!", disse eu. "Eu gosto da chuva e da terra", falou a criança; "eu também gosto", respondi para ela, enquanto saíamos juntos em direção ao quintal, acompanhados pelo meu fiel vira lata Tição. "Eu gosto de quintal e de cachorro vira lata", comentou a criança ...

Domingo No Parque

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Era uma vez um domingo, um menino com saudades do pai distante, e um parque de diversões; naquele final de tarde ele finalmente iria até lá. Naquela época, no local onde vivia o menino dinheiro era algo muito raro de encontrar, muito difícil de ganhar, e muito fácil de gastar. Mas finalmente o menino tinha em mãos três dinheiros: O dinheiro de ida no lotação até o parque; o dinheiro para brincar em um dos inúmeros brinquedos, e o dinheiro de volta para a sua casa na condução — os contemporâneos do menino chamavam o ônibus de lotação ou condução. O desejo do menino era gastar todo o dinheiro nos brinquedos, mas o parque era longe, então, já no lotação quase vazio e, com um dinheiro a menos no bolso, ele ia pensando em todos aqueles maravilhosos brinquedos, já brincando mesmo com cada um deles em sua fértil imaginação. Vinte minutos depois e com dois dinheiros no bolso, o menino estava no parque, e no parque música, balões coloridos, pessoas falando por todos os lados e ao mesmo tempo al...

Os Baldes da Esperança

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De vez em quando, nas suas andanças, o Agricultor costumava encontrar pelos seus  públicos bosques velhos baldes comumente utilizados na construção civil  —  baldes sem alças, com alças, inúteis, rachados, furados, desprezados, abandonados... Para muitos aquilo não servia para nada, mas o Agricultor recolhia-os, um por um. Vozes mudas  — se existe um Agricultor Urbano invisível  e anônimo, não é improvável então a existência de mudas vozes  —  olhando aquela cena corriqueira e insólita diziam: "Ele não é muito certo da cabeça; ele gosta de juntar entulho; ele não tem nada mais interessante para fazer; ele é muito estranho; ele deve trabalhar com plástico reciclado...". Um dia, notando tudo aquilo, enquanto brincava na praça próxima ao bosque, uma criança comentou com a sua mãe: —   Mamãe, o Agricultor não chuta os baldes! lá vai ele com os seus velhos baldes cheios nas mãos. A mãe observou a cena e não comentou absolutamente nada; cada um daquele...

O Agricultor e a Foice

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Naquela manhã de sábado, como de costume, o Agricultor Urbano estava ceifando o capim a fim de plantar algumas árvores; seus vira latas estavam presentes, como sempre, mas neste dia ele também foi agraciado pela presença de uma vaca de olhar profundo e amistoso, que ficou por ali pastando o seu capim em paz. A hora avançava, quando finalmente passou um curioso cidadão pela rua próxima e, detendo-se, ficou observando o Agricultor com sua foice na mão, na companhia de seus próprios vira latas e da vaca alheia. Aquele homem já reparava no trabalho solitário do homem do campo por muito tempo, e estava muito desejoso de conhecer um pouco mais a respeito da natureza mental dele, pois considerava sua lida solitária em áreas públicas algo um tanto o quanto insólito — quem sabe problemas psiquitriaticos graves? — Bom dia senhor Agricultor... — Bom dia senhor... — respondeu mansamente o Agricultor. — Poço fazer lhe uma pergunta? — Sinta-se a vontade... — O que te faz muito feliz? A resposta foi ...