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O Importante é a Rosa

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Costureira, a saudade é imensa, maior que suas rosas... A costureira acordava sempre muito cedo; costurava muito ao longo do dia, o trabalho era muito, muitos vestidos e calças para fazer, era uma correria só. Esta rotina foi seguida à risca durante muitos anos, ela mergulhava no seu trabalho, e ali ficava completamente absorta por muitas horas.  Mas uma coisa curiosa sempre acontecia, apesar dos afazeres da casa; a costureira amava as plantas de um modo geral, e as rosas, em particular, de forma que, de tempos em tempos, ela saia do quarto de costura, abandonava por algumas horas seus afazeres profissionais, chamava seu fiel ajudante, o menino, e ambos iam para o quintal cuidar das plantas, da horta, das árvores, das galinhas, e claro, das suas amadas rosas. Rosas brancas, vermelhas, amarelas; rosas miúdas e graúdas, muitas rosas.  Se o mês fosse agosto, e a lua fosse a nova, ela ia retirando ramos das roseiras e plantando as estacas, com o menino sempre ao seu lado,...

O Agricultor e o Lavrador, ou o Avô e o Neto

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Sementeira de Jenipapos E o menino ouvia as histórias que a mãe contava, relativa ao tempo da sua infância lá no interior do Espirito Santo, e ficava encantado com as narrativas. Ela falava do sítio, dos cachorros de seu pai, Senado, Sultão e Suspiro, da escola, do paiol, dos bichos e plantas, do dia a dia na roça, do cafezal, das árvores nativas... E aqueles cenários iam tomando forma em seu pensamento, tudo era um encanto para ele. E ele descobriu que a lavoura de café foi pouco a pouco crescendo, e conforme a lavoura se expandia, a mata nativa ia desaparecendo, até que em determinado dia restava no sítio apenas uma grande árvore nativa, um pé de jenipapo, e então seu avô, o João de Oliveira, mandou derrubá-la a fim de plantar mais café.  E desde então ficou na imaginação da criança a cena da árvore sendo derrubada por ordem de seu avô, e lá no fundo do seu coração uma pergunta: Como vovô, o senhor ordenou o corte da última árvore do sítio, não seria possível deixar a árvore...

A de Amor e G de Glória

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M de Mangueira, Tia Glorinha O menino tímido e inseguro, caminha para a escola, na verdade, a pré-escola, vai cursar a Primeira A na casa da Dona Glorinha, onde aprenderá coisas básicas para no ano seguinte ingressar na escola regular. Passados tantos e tantos anos, ele mentalmente agradece a professora por ter segurado em sua mão e conduzi-lá pelos caminhos das letras, palavras e sentenças. E agora ele imagina uma volta no tempo, a fim de recomeçarem as lições, pois até hoje, depois de cinco décadas, a imagem da professora continua viva dentro do seu coração, uma pessoa simples e bondosa, sempre sorrindo, e ele confessa agora que o amor e o carinho que sente por ela é o mesmo que sente pelas pessoas que lhe são mais caras, e vai lembrando agora que, através do a,e,i,o,u a professora foi arando as terras incultas do seu ser, preparando o solo do seu viver, semeando palavras como sementes de árvores, que até os dias de hoje frutificam pelos seus caminhos e descaminhos. E em sua ...

O Voo da Andorinha

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Ah Mamãe se eu soubesse naquele dia que aquele seria o último abraço, certamente a teria abraçado com mais afeto e carinho, teria sido mesmo um abraço eterno de amor e gratidão... Ah se eu soubesse da sua partida próxima, talvez tivesse ficado mais um pouco, ou mesmo a noite inteira, ou ainda por toda a eternidade, pois sua presença me enchia de alegria, e o amor que irradiava do seu coração muitas vezes chegava às regiões desérticas de meu ser, transformando terras áridas da emoção em oásis de esperança... Ah costureira querida, se eu soubesse, naquele dia teríamos falado mais sobre suas queridas rosas e antúrios, falaríamos também sobre aquele dente de alho que a senhora cortou ao meio e plantou dias atrás, ensinando-me como se fazia lá na roça, teríamos conversado um pouco sobre aquela sua gatinha branca que um dia sumiu, e depois, com suas orações e fé inabalável, retornou, enchendo o seu coração de alegria, ou ainda que a senhora, através da alquimia do amor, transformou mamão...

O Menino das Pernas Tortas

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O menino nasceu com as pernas tortas, tal como Garrincha, o maior ponta da história, porém, ao longo de sua  vida, apesar de ter desejado muito, nunca teve vocação para jogador de futebol, no seu bairro de periferia pobre, no campinho de terra batida, sob a sombra de centenárias mangueiras amigas,  era seguramente considerado o pior entre os piores,  e com as pernas já alinhadas, nunca conseguiu muito sucesso dentro das quatro linhas, provavelmente, após a correção o mundo tenha perdido um grande jogador, em contrapartida, talvez, quem sabe, por algum efeito colateral, ganhou um homem simples, eterno amante das árvores, que cuida delas em suas horas vagas. E a deformidade era tanta, que quando o garoto andava, tocava um joelho no outro, de forma que era preciso corrigir o problema, e a solução na época era a utilização de botas com um fundo metálico, botas que pesavam uma tonelada ou mais, e o menino usou por um bom tempo. E ele andava arrastando aquelas pesadas botas,...

Las Manzanas Argentinas

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O menino, desde pequeno, sempre acompanhava a mãe nos domingos na ida à feira livre. Para ele era um passeio, e ao mesmo tempo já conseguia ajudar dividindo o peso das bolsas com a genitora. Eles iam cedo, geralmente antes das oito da manhã, pegavam o ônibus no ponto perto da casa, o menino ia sempre do lado da janela, e ia em pé, não sentava, ficava admirado olhando a paisagem. A feira ficava no bairro da Vila, região central da cidade, um bairro bonito com ruas e casas bem projetadas pelos norte americanos, em uma rua contínua, de forma que eles entravam no começo da rua, ou da feira, iam fazendo as compras, e no final da rua, ou como queiram, da feira, as bolsas já estavam cheias e então, eles dirigiam-se para o ponto de ônibus, a fim de voltarem para casa. Na entrada da feira havia algo que encantava o menino, mesmo antes de chegar até aquele ponto, ele já avistava as caixas e sentia o perfume adocicado das manzanas argentinas. As frutas, vermelhinhas, vermelhinhas, ficavam acon...

O Jovem que Rasgava os Textos

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Ipê Roxo Por muitos anos o jovem escrevia os seus textos; invariavelmente começava assim: "Hoje é dia 23 de março de 1995, lá fora os pássaros cantam, sinto dentro de mim uma angústia...", e ele ia escrevendo, escrevendo, as palavras, frases e sentenças iam aos poucos brotando de dentro dele, de forma natural, e ao final, lia tudo o que havia escrito, e aí, algo curioso acontecia, com medo de que alguém pudesse vir a ler o que ele havia colocado no papel, ele simplesmente rasgava o texto em muitos pedacinhos e o jogava fora.  Este processo repetiu-se por muito tempo, muitos textos foram perdidos, o jovem não desejava mostrar para ninguém o que sentia dentro de si mesmo, é como se ele fosse uma ilha e não desejasse de forma alguma ligar-se ao continente. "Hoje é dia 18 de março de 1979, estou indo embora da casa do meus pais, vou estudar fora, tenho tanto medo de fracassar, tudo é tão assustador....". Mais um texto perdido e jogado ao vento.  "Hoje é ...