A de Amor e G de Glória
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M de Mangueira, Tia Glorinha |
O menino tímido e inseguro, caminha para a escola, na verdade, a pré-escola, vai cursar a Primeira A na casa da Dona Glorinha, onde aprenderá coisas básicas para no ano seguinte ingressar na escola regular. Passados tantos e tantos anos, ele mentalmente agradece a professora por ter segurado em sua mão e conduzi-lá pelos caminhos das letras, palavras e sentenças. E agora ele imagina uma volta no tempo, a fim de recomeçarem as lições, pois até hoje, depois de cinco décadas, a imagem da professora continua viva dentro do seu coração, uma pessoa simples e bondosa, sempre sorrindo, e ele confessa agora que o amor e o carinho que sente por ela é o mesmo que sente pelas pessoas que lhe são mais caras, e vai lembrando agora que, através do a,e,i,o,u a professora foi arando as terras incultas do seu ser, preparando o solo do seu viver, semeando palavras como sementes de árvores, que até os dias de hoje frutificam pelos seus caminhos e descaminhos. E em sua mente, Dona Glorinha conduz novamente sua mão, o menino quer escrever com a esquerda, mas a professora insiste em que ele use a direita, e assim acontece, ele vai segurando o lápis pela primeira vez em sua vida, a princípio simplesmente rabiscando em folhas brancas, até que, depois de algum tempo chegam à letra A.
- Menino o A é a letra para Amor e Árvore, - fala a professora.
E o menino fica encantado, não sabe se pelo A, ou pelas Árvores.
- Tia Glorinha, não entendi muito sobre o amor.
A professora sorri e fala que ele entenderá um dia.
- Vamos agora para para o B, com o B podemos escrever Bom, Bola, Bolo...
- Sabe Tia, eu gostaria tanto de ter uma Bola, mas preciso esperar mais um pouco, mamãe me disse que agora não pode comprar.
A professora sorri compreensiva, havia entre ela e o menino uma perfeita união, e agora o conduz através do C, e diz para ele que com o C escreve-se Cachorro, Casa, Cajueiro...
- Dona Glorinha, a minha Tia Francisca tem uma Casa lá no Cajueiro, e a Casa dela é feita de barro e bambu. Outra coisa tia, eu também tenho um Cachorro, o nome dele é Camborde, e tia, toda vez que meu pai viaja para longe, eu entro dentro da casinha dele e choro. Tia, Tia, não conte isto para o meu pai, pois ele sempre me diz que os homens não devem chorar.
Dona Glória abre novamente o sorriso. - Eu conheço a sua tia, o bairro do Cajueiro é bem perto daqui, e conheço também o seu pai, fique tranquilo, não falarei com ele sobre isto, e com o C podemos escrever também Coração.
E o Coração da criança batia de alegria pela aula na casa da professora, com sala ampla e largas janelas, e ela continuava com a sua mão guiando a mão dele.
- Vamos desenhar agora o D, D de Damasco, aquela cidade lá da Síria, a do Apóstolo Paulo.
E então, a professora abre um grande livro em cima da mesa, e mostra para ele o apóstolo, vestido em umas roupas grossas, e barbudo, e ai o menino conhece Paulo e dele nunca mais esquece.
- Tia, eu gostei tanto da gravura do apóstolo, ele me parece ser um homem tão bom...
A professora fecha o livro e continua a aula.
- Vamos lá menino, o alfabeto é grande, Paulo era realmente um homem muito bom, continuemos... Agora vamos para o E, E de Elefante, aquele bicho lá da África.
- Professora, - torna a falar o menino - E de Égua, perto da minha casa mora um colega de nome Tião, que tem um cavalo e uma Égua grande e branca. Tia, o pai dele às vezes bate no cavalo, e ai então eu fico muito triste.
A professora ouve atenciosamente e percebe a sensibilidade da criança, e continua guiando a mão do menino, e diz que com E pode se escrever também a palavra Eternidade, e ensina para ele que a Eternidade nunca acaba, não tem princípio e nem fim.
- Nossa Tia, deve ser muito grande a Eternidade, maior talvez que o caminhão do meu pai, a senhora conhece o meu pai, Tia Glorinha?
- Sim eu o conheço, o caminhão dele é realmente bem grande e bonito, porém é menor do que a Eternidade. Estamos agora chegando ao F, F de faca, de Foca, de Fé, Felicidade...
- Puxa vida Tia, quanta coisa bonita podemos escrever com o F.
E Dona Glorinha diz para ele que o Paulo lá do livro grande, o barbudo, tinha muita Fé em Deus, e o tempo vai avançando, e agora vai chegando a hora da letra G, e já são quase onze horas da manhã.
- Tia, eu estou ficando cansado, e estou com saudades da mamãe, e preciso também ir para casa para dar o milho para as galinhas.
E desta forma a aula matutina termina. No dia seguinte recomeçam, Dona Glorinha novamente vai conduzindo sua mão, letra após letra...
- Vamos então para o H, H de Humildade, Honestidade, Hombridade, Homem, Humus...
- Professora, que letra bonita e importante é o H...
- Sim criança - dizia ela com amor - o H realmente é muito útil, agora você vai conhecer a letra I, com ela escreveremos Inteligente, Intolerante, Infinito, e o Infinito é como a Eternidade...
- Então Professora, o Infinito é também tão grande como o caminhão do meu pai, como é poderoso o I, então, com o I eu posso Ir embora para jogar bola com os meus coleguinhas?
A professora vai ficando contente com o desenvolvimento do aluno, amorosamente olha para ele e diz que não é hora de ir embora, que a aula ainda não acabou.
- Desenharemos agora o J, J é de jaca, aquela fruta bem grande.
- Tia, lá na casa do Seu Lobo, aquele moço da venda, tem uma grande jaqueira, bonita e sombreada.
- De fato, eu conheço o seu Lobo.
- Nossa Tia, acho que a Senhora conhece todas as pessoas do mundo.
E o aprendizado vai avançando durante a manhã, com o aluno e a professora em perfeita harmonia.
- Agora estamos no L, L de Luva, Louça, Leve e Leveza...
E Dona Glorinha diz para o menino que a pena é Leve, e que a coisa mais Leve que existe é o amor, mais Leve que a pena das aves, e o menino, encantado, vai pouco a pouco aprendendo sobre o L e a leveza do amor, e ela continua segurando em sua mão, letra após letra.
- Chegamos então ao M, meu filho, M de Maria, o nome mais simples e bonito.
E novamente a professora abre o livro sobre a mesa e mostra para ele a Maria na gravura, e então,desde aquele dia o menino passou a amar todas as Marias do mundo.
- Com o M podemos escrever Mingau, Manga, Maçã, Mangueira...
- Sabe professora, na casa de minha avó Francisca tem uma Mangueira muito grande que produz muitos frutos no verão, e um dia eu subi nela Tia, cai e quebrei o braço, e ai a dor era tanta Tia, que eu chorei, e então a minha mãe, e a minha madrinha Alice me levaram para o hospital no jeepe do Seu Cirilo, e então eu tive que usar gesso no braço por quarenta e cinco dias.
- Vamos continuar então seu menino levado, onde já se viu subir em árvores, e agora o N, N de Natal, Navio, N de Não...
E ela percebe a dificuldade do garoto com o N, ou com o Não, e ali na sala ampla, juntos, ao longo da manhã vão pouco a pouco desenhando pacientemente as letras, e depois do N vem o O...
- Que bonito o O professora, é redondinho, redondinho, igual a roda do caminhão do papai, sabe Tia Glorinha, mamãe me disse que a terra é redonda igual ao O.
A professora concorda sorrindo, sua mão conduz a dele através do P, e ali no caderno vai surgindo o P de Prato, Pato e Pateta.
- Tia Glória, o meu irmão tem uma revistinha cheia de quadradinhos do Pateta, e quando eu aprender a ler, vou pedir para ele emprestado.
- Você aprenderá a ler e escrever brevemente.
- Estou cansado Tia, gostaria tanto de ir para casa brincar com os meus soldadinhos.
- Ainda não, só mais um pouquinho.
Agora estão no Q, Q de Queijo, e depois o R, R de Rato...
- O Rato gosta de Queijo - diz o menino e a professora fala que o Rato Roeu a Roupa do Rei de Roma, e a criança acha engraçado e a professora também.
-Chegamos ao S, S de Sopa, Sapato, Sapo...
- Tia, Tia, o caminhão do meu pai começa com um S...
- Sim, é o S de Scania, a marca do caminhão do seu pai, vamos agora para o T, T de Trem, Tatu, Tambor...
- Tia, o meu avô carregava os dormentes lá na empresa do Trem.
Dona Glorinha, obviamente conhecia o avô do menino, e ele fica encantado, e o alfabeto está chegando ao fim, já estão na letra U.
- U de Uva - fala a professora.
- Tia, na casa da vó Francisca tem um pé de uva.
- O nome da planta que produz a Uva é a Videira, que se escreve com o V, e também com o V escreve-se Vaca, Vaso...
E agora a professora amável ensina a criança desenhar o X, X de xícara e finalmente chegam ao Z.
- Z de Zebra - fala a professora - aquele bicho listrado lá da África.
E ela abre um livro e mostra para ele a gravura de uma Zebra nas Savanas Africanas.
- Tia, Tia, a Zebra é muito engraçada, parece mesmo uma Vaca pintada de preto e branco.
E ao longo de todo aquele ano diariamente o menino frequentava a casa da professora, aprendendo sobre as letras, os fonemas, a escrita, uma aventura maravilhosa e inesquecível. E passados cinquenta anos, a lembrança da Dona Glória continua viva em sua mente, sobretudo em seu coração, e então, sua imagem, como por encanto, aparece nitidamente nos seus pensamentos, e ela vai chegando e sorrindo, como antigamente, então, carinhosamente o menino já crescido diz para ela que nas aulas do passado eles pularam a letra G, e a professora inesquecível sorri novamente.
- Vamos então terminar a lição tia Glorinha,- diz o menino crescido.
- Segure agora em minha mão, e deixe que eu a conduza através da escrita.
E então, o menino crescido guia a mão da professora amada e escreve...
"Dona Glorinha, cheia de Graça, saiba que no meu coração cheio de Gratidão, Gente como a senhora, com tanta Grandeza, e que com tanta Gentileza me Guiou, possuem um local especial, bem Guardado, por toda a Eternidade, e a Eternidade, tal qual o Infinito é muito grande Tia, maior mesmo que o caminhão do papai, e somente agora professora querida, eu começo a compreender que o amor é mesmo muito leve, mais leve que as penas dos pássaros do céu, conforme falava o homem barbudo do livro grande, o Paulo".
E a professora feliz e realizada pelo progresso do aluno continua sorrindo, sorrindo por toda a eternidade.
"Dona Glorinha, cheia de Graça, saiba que no meu coração cheio de Gratidão, Gente como a senhora, com tanta Grandeza, e que com tanta Gentileza me Guiou, possuem um local especial, bem Guardado, por toda a Eternidade, e a Eternidade, tal qual o Infinito é muito grande Tia, maior mesmo que o caminhão do papai, e somente agora professora querida, eu começo a compreender que o amor é mesmo muito leve, mais leve que as penas dos pássaros do céu, conforme falava o homem barbudo do livro grande, o Paulo".
E a professora feliz e realizada pelo progresso do aluno continua sorrindo, sorrindo por toda a eternidade.
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