O Agricultor e o Lavrador, ou o Avô e o Neto
Sementeira de Jenipapos |
E o menino ouvia as histórias que a mãe contava, relativa ao tempo da sua infância lá no interior do Espirito Santo, e ficava encantado com as narrativas. Ela falava do sítio, dos cachorros de seu pai, Senado, Sultão e Suspiro, da escola, do paiol, dos bichos e plantas, do dia a dia na roça, do cafezal, das árvores nativas... E aqueles cenários iam tomando forma em seu pensamento, tudo era um encanto para ele. E ele descobriu que a lavoura de café foi pouco a pouco crescendo, e conforme a lavoura se expandia, a mata nativa ia desaparecendo, até que em determinado dia restava no sítio apenas uma grande árvore nativa, um pé de jenipapo, e então seu avô, o João de Oliveira, mandou derrubá-la a fim de plantar mais café. E desde então ficou na imaginação da criança a cena da árvore sendo derrubada por ordem de seu avô, e lá no fundo do seu coração uma pergunta: Como vovô, o senhor ordenou o corte da última árvore do sítio, não seria possível deixar a árvore lá em paz? E durante muitos e muitos anos, a imagem do avô lenhador ficou gravada em sua memória, era como se por trás de todo o afeto houvesse também, vamos assim dizer, uma gotinha de mágoa pela derrubada de uma árvore tão bonita, o jenipapeiro. O tempo passou, o menino cresceu e aprendeu a amar as árvores e a cuidar delas com todo o carinho, tendo mesmo nos fundos do seu quintal um pequeno viveiro onde cultiva muitas e muitas delas, principalmente as nativas da mata atlântica. E lá está o agricultor cuidando de suas plantas, no chão, um vaso cheio de mudas de jenipapo, as sementes foram trazidas do Rio de Janeiro, voltando do trabalho um dia, ele se deparou com um fruto do jenipapeiro na calçada, e não pensou duas vezes, levou a fruta para casa, semeou as sementes e produziu um bom número de mudas. E agora pacientemente ele vai retirando as mudinhas, uma por uma, colocando cada uma delas em saquinhos individuais, a fim de que possam crescer para posteriormente irem para o campo. E enquanto ele cuida dos jenipapos, lembra-se do seu avô, o João de Oliveira, e então ele sente saudades, e a força da saudade é tão forte e poderosa, que materializa para ele ali sob a sombra das árvores, a imagem, ou mesmo a presença do seu querido avô, o pai da costureira. E o avô chegou de mansinho, sem dizer palavras, era calvo e baixo, sua presença transmitia para o agricultor, seu neto, muita paz. O neto ficou maravilhado com a presença, e então, olhando para o avô que também olhava para ele, e para o pequenino jenipapo em suas mãos ele teve a compreensão de algo maravilhoso, e usando a linguagem do seu coração ele falou com o pai da costureira, seu avô João de Oliveira...
- Sua benção querido avô, que bom que o senhor apareceu hoje. Preciso contar-lhe uma coisa vovô, até o dia de hoje eu não conseguia entender como o senhor lá na roça, naquele tempo antigo cortava as árvores lá do sítio para plantar café, e com o tempo a floresta desapareceu, até que restou somente a lavoura. Era como se o senhor vovô, aos meus olhos, fosse um lenhador perverso que não gostava das árvores, e isto me incomodava bastante João de Oliveira. E a muitos anos vovô eu planto árvores, muitas e muitas delas, e quando planto o jenipapo sempre penso e ti e digo para mim mesmo: "esta é para o meu avô lenhador, e esta ele não poderá cortar!". E agora o senhor me visita, e olhando para ti avô eu finalmente entendo que não poderia ter sido diferente, o senhor tinha filhos para criar, e a sua fonte de renda, o fruto do seu trabalho era o café, portanto o senhor precisava mesmo plantar muito café a fim de criar todos os seus filhos. E seus filhos cresceram e seguiram seus caminhos, e através de uma de suas filhas, minha mãe, a costureira, criada e sustentada pelos frutos do seu cafezal eu pude um dia nascer e também ter uma vida própria, portanto vovô, de certa forma eu também sou fruto dos frutos de seu cafezal, e agora vovô, eu me vejo lá atrás junto contigo derrubando árvores a fim de expandir a lavoura para criar os seus filhos. Agora tudo se encaixa vovô João, tudo faz sentido, ontem o lavrador para dar continuidade à vida derrubava árvores, hoje, seu neto, o agricultor, promove a vida plantando muitas e muitas delas, no fundo vovô eu e tu somos um só, na verdade sinto mesmo que todos nós os humanos, somos todos o mesmo fio de um tecido chamado humanidade.
E então o neto convida o seu avô para caminharem juntos pela mata, e ele todo feliz vai mostrando para ele as árvores que foram plantadas ao longo dos anos, os ipês, as embaúbas, as pitangueiras, os jatobás, o pau ferro, o pau rei, o pau jacaré, um sem número delas... E avô e neto felizes e irmanados vão caminhando mata adentro e o neto mostra para o avô alguns pés de café sob a sombra das árvores amigas, e o avô torna a sorrir, e então eles param em determinado ponto e juntos plantam um jenipapeiro, um símbolo de união entre o lavrador e o agricultor, um símbolo de amizade eterna entre o avô e o seu neto. E ambos continuam subindo o morro entre as árvores, e lá do alto era possível avistar uma pequena floresta em formação, uma floresta plantada por um lavrador que derrubava árvores e cultivava café e por um agricultor, seu neto, que plantava árvores e estava aprendendo a cultivar a gratidão. O agricultor olhou para o lado, seu avô não estava mais lá, havia partido, porém, daquele dia em diante ele sabia que sempre estariam juntos quando cada árvore fosse plantada no solo, seria de agora em diante um plantio a quatro mãos, e este fato em si trazia para ele muita alegria. Pegou então a mudinha de jenipapo que havia retirado do vaso e estava em suas mãos, e carinhosamente a colocou no saquinho, graças ao João de Oliveira, muitas árvores poderiam agora viver e crescer em paz.
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