O homem desconectado

Deserto da solidão por onde passou o homem desconectado
Vivemos a era da tecnologia, estamos todos muito ligados através dos nossos celulares e outros aparelhos de comunicação, a conexão é total, em segundos conseguimos interação com tantas pessoas em locais, os mais variados possíveis, perto ou distante. 
Era uma vez um homem que, cansado de toda a tecnologia do mundo, desligou o seu celular, e em seguida, descobriu que, além de não estar mais na rede mundial dos computadores, havia perdido também a conexão consigo mesmo. Seu primeiro sentimento foi o de uma profunda solidão, e, com medo de mergulhar no abismo dentro de si, quase que ligou novamente o aparelho, porém, decidiu que viveria aquela experiência, mesmo que tivesse que sofrer um pouco. E assim ele fez, acordava de manhã para trabalhar ou fazer alguma coisa qualquer, e aquela ação era mecânica, não havia nenhuma alegria pelo sol, pelo despertar, pelo dia, simplesmente acordava, e, como um robô, fazia o que precisava ser feito, porém, sem graça ou encantamento. Na hora do almoço, entrava em um restaurante qualquer, comia qualquer coisa, de qualquer jeito, sem sentir o gosto do alimento, incapaz de desfrutar do prazer proporcionado por uma boa refeição. Alguns que o conheceram diziam que ele era capaz de andar por uma longa avenida sem perceber o que estava acontecendo ao seu redor, não notava as pessoas, as plantas, a paisagem, não via ou observava nada, seu olhar era perdido, não olhava para lugar nenhum. Outros também falavam que ele era extremamente mental, que sua mente era tão poderosa, que ele seria capaz de fugir da realidade através da ação dinâmica de seus pensamentos, mas era incapaz, de com esta mesma mente fixar-se no aqui e agora, e isto, diziam, fazia o homem sentir-se muito infeliz.  Aquela sensação de vazio e inadequação foi invadindo o seu  coração, como tudo aquilo doía dentro dele, sentia-se como se estivesse atravessando um grande e árido deserto, muitas vezes tinha recaídas, e um desejo enorme de novamente fazer a conexão com o mundo, via aparelho celular. Ele sabia que estava vivo, sentia as batidas do seu coração, percebia que respirava, porém, era como se estivesse passando pela vida e não vivendo, percebia que vivia dentro de uma esfera maravilhosa, que girava em grande velocidade em torno de si mesma, esfera que viajava pelo espaço, em torno do sol, porém, nem este acontecimento extraordinário, nem outro qualquer conseguia despertá-lo de seu sono milenar. O homem era o tempo todo tentado a ligar o velho aparelho, porém, seguiu firme no seu propósito de busca, e foi viajando mais e mais para dentro de si, andando por suas terras, descobrindo muitos sentimentos. Ele viu em si o orgulho, e percebeu que este era enorme, rígido, poderoso, que o havia dominado por muitos anos, percebeu que era um escravo dele, e que somente conseguiria libertar-se deixando um outro sentimento chamado humildade fazer morada em seu coração. Percebeu que a humildade era calma, suave, nunca sentia a necessidade de se impor, era de uma serenidade sem fim. Viajando mais um pouco conversou com sua ansiedade, aquela que o projetava para o futuro sempre e sempre, viu em um cantinho, todo encolhido o seu próprio medo, e este disse para ele parar e voltar, que seria perigoso seguir, como era medroso o seu medo, e ele seguiu e encontrou a tristeza, e percebeu que ela era prima irmã da alegria, que não era ruim senti-la, logo depois viu sua angústia, como doía aquele sentimento em si. Andando mais um pouco, passou pelo reino da culpa, sentiu-se muito mal, como se fosse um grande criminoso e precisasse sofrer  e pagar o que havia feito em um tempo ou lugar qualquer, mas logo suas amigas, a tolerância e a aceitação apareceram pelo caminho levando conforto ao seu coração. Viu em si, como uma figura mitológica, o seu próprio ressentimento, e só não caiu no chão de tanta dor porque logo em seguida foi socorrido pelo seu companheiro, o perdão, que  levou paz e serenidade ao seu coração. Naquela caminhada passou um dia por um lugar muito desolado e triste, não avistava nada, tudo era muito árido, encontrou então sua amiga a solidão, como era solitário aquele sentimento, o homem tentou falar com ele, porém a solidão disse que desejava muito continuar só, e o homem seguiu em frente. Na sua jornada conheceu a indiferença, a ternura, a raiva, a ingratidão, o tédio, a esperança e muitos e muitos outros amigos íntimos e pessoais, a viagem já durava muito tempo, havia andado muito e conhecido um sem número de emoções, até que em determinado dia ele chega a um lugar que parecia ser o fim do caminho. O local era muito agradável, e havia uma residência belíssima, cheia de luz, um local paradisíaco, porém o acesso para lá estava fechado. Havia um aviso no portão: "Aqui é o seu lar, o único local do universo onde você encontrará a paz, somente você poderá entrar aqui, desde que traga a chave. Você viajou muito, por longos anos, conheceu o orgulho, a angústia, o medo, a solidão, a tristeza, o vazio, a indiferença, o ressentimento, a culpa, a tolerância, a aceitação e tantos outros, porém, não encontrou o sentimento fundamental, o amor, a chave para abrir esta porta. Volte para o mundo, aprenda a amar tudo que o cerca, e somente então esta porta estará aberta para você. Vá em paz, e até breve!" O homem estava muito cansado, havia caminhado tanto, e agora, apesar de tudo, precisava voltar para o mundo a fim de buscar a chave para abrir a porta do seu paraíso pessoal. Onde estaria afinal de contas o amor ele não sabia, mas tinha a absoluta certeza de que precisava muito encontrá-lo, deu meia volta, e voltou pelo caminho, procurando em si a chave, procurando em si o amor. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Agricultor e a Poetisa Ferida

O Marido, a Mulher, o Rio e a Calça

A Finitude das Redes e a Infinitude do Mar