O Agricultor e a Ansiedade


Domingo, 6 horas da manhã, o despertador toca, e o Agricultor acorda; tem vontade de travar o relógio, de virar para o lado e continuar dormindo, porém não pode, é dia de plantar árvores, compromisso com a vida... Levanta, toma seu café, faz carinho nos seus vira latas, que continuam lá pelos cantos; eles não seguem o horário de verão, seguem somente o instinto. Tudo preparado para sair, vai plantar árvores na área pública; vai saindo de casa tranquilamente, e de repente escuta uma voz...

- Agricultor, posso ir com você hoje?

Quem poderia ser aquela hora? Estavam todos dormindo na sua casa; o Agricultor não dá ouvidos, caminha em direção ao carro, e novamente ouve a voz:

- Por favor Agricultor, deixe eu ir com você hoje, só hoje...

Ele olha para o lado e não encontra ninguém.

-Quem está aí? - pergunta ele.

- Sou sua ansiedade, prima de sua angústia, e gostaria muito de acompanhá-lo na manhã de hoje, posso? Por favor, diz que sim, diz que sim, depressa, o tempo está passando.

Por aquela o Agricultor não esperava, mas como ele era mesmo diferente, falava com bichos e plantas, bem como com os seus próprios sentimentos, não seria nada demais levar a ansiedade para passear. Ele a convidou para entrar no carro, e por um pequenino instante pensou "acabou o meu sossego no dia de hoje", mas já era tarde, a ansiedade já estava lá dentro do veículo, toda contente. Mal o carro começou a andar, a danadinha começou a tagarelar na cabeça do pobre Agricultor...

- Rápido, não vai dar tempo, precisamos plantar muitas árvores hoje, o dia vai avançando, daqui a pouco está na hora da volta; o sol já está alto, vamos, vamos, mais depressa, já estou ficando preocupada, precisamos também parar na padaria na volta e comprar pão, e depois comprar água e também hoje é dia de você almoçar na casa do seu pai, e à noite você terá que ir embora para o Rio de Janeiro, rápido, vamos rápido... meu Deus do céu, o tempo está passando.

O Agricultor gostava de ir com calma, apreciando a paisagem, olhando tudo, bem devagar, mas naquele dia estava ficando complicado, seu sentimento não lhe dava tréguas. Depois de algum tempo e mais algumas milhares de colocações da sua companheira, chegaram ao local do plantio. O Agricultor saiu do carro, pegou suas ferramentas e mudas de árvores e começou o seu trabalho, porém, não demorou muito tempo e a tagarela voltou a falar...

- Vamos fazer os buracos bem depressa para podermos irmos embora logo, já estou ficando com sede, tem água? O sol está esquentando, quantas horas agora? Faltam ainda muitas mudas para plantar? Escuta... não poderíamos dar uma paradinha e irmos darmos uma caminhada pela mata? E as formigas, onde está a formicida? E se não chover, soube que em São Paulo não chove a meses, tem lanche?

O Agricultor já estava com a cabeça quente, era um domingo, tinha tudo para ser uma manhã agradável, porém, aquela doidinha de sua amiga não parava um minuto sequer; não dava a ele um segundo de descanso, e ele desejava somente plantar suas árvores em paz. Tentou continuar cavando os buracos com serenidade, mas não deu muito tempo e a ansiedade atacou mais uma vez.

- Já está quase na hora de você ir embora, estou preocupada com o pão que precisa ser comprado, e tem também a água, e se a loja da água fechar mais cedo hoje? Se você chegar em casa sem água, o "bicho vai pegar", e a passagem para o Rio você comprou? O horário é 20:00 horas, e se o ônibus sair mais cedo da garagem? Olhe Agricultor, já são quase 9:00 horas, é melhor irmos embora... mas o mato está crescendo rápido, precisamos capiná-lo, e amanhã é segunda feira, e você precisa estar cedo lá no centro do Rio de Janeiro, estou ficando tão preocupada...

O pobre do Agricultor estava em tempo de enlouquecer com tanto ruído mental, manteve a calma, e contou até 10 para não explodir. 

- Ansiedade, porque você não para um segundo sequer? 

- Agricultor, sou um sentimento e tenho minha própria natureza, não posso deixar de ser o que sou. Minha função básica é tirá-lo do momento presente, projetá-lo para o futuro, ou para um outro lugar qualquer no tempo e no espaço, de forma que você nunca consiga estar aqui, vivendo o dia de hoje com toda a sua plenitude e glória.

- Por que você resolveu me acompanhar nesta manhã de domingo, roubando toda a minha paz?

- Veja bem Agricultor, já somos velhos conhecidos, sempre o acompanhei, desde a sua infância; a diferença agora é que você finalmente começa a perceber a minha presença. Estou sugando suas energias, fazendo com que você tenha a sensação de estar passando pela vida e de não estar vivendo; na verdade, sou uma criadora de ilusões criada por você mesmo, que é o ilusionista chefe.

O Agricultor percebeu que o sentimento dizia a verdade.

- O que posso fazer para me ver livre de você? Veja bem ansiedade, você não é tão desagradável assim, mas é que desejo muito viver com leveza e paz todos os momentos de minha vida.

- Bem, para ficar livre de mim Agricultor, você terá que aprender a viver no presente, terá que mergulhar em si mesmo, e descobrir lá dentro o que te motiva a não estar aqui, a não olhar para você, o que te leva a fugir da vida projetando situações que talvez jamais venham a acontecer. Quando você descobrir suas respostas internas, não haverá mais espaço em você para a minha presença, e então eu irei embora. Repare bem que, todas as vezes que você relaxa e entrega-se com confiança à vida, eu me afasto de você; na verdade eu sou o oposto da sua tranquilidade.

O Agricultor ficou ao mesmo tempo surpreso e contente com a resposta; percebeu que dependia somente dele mesmo para livrar-se daquela emoção, mas isto certamente iria exigir muito esforço; sentia agora que no fundo ele e a ansiedade eram velhos e bons amigos. Ainda haviam alguns buracos para serem cavados naquela manhã, e ele resolveu cavá-los calmamente, um por um; feito isto, sentou-se sobre a sombra de uma árvore, sem pressa, bebeu água, ouviu o canto dos pássaros, sentiu o calor do sol, percebeu o quanto o dia estava claro e bonito; foi fazendo tudo bem devagarinho, sua amiga, a ansiedade finalmente havia ficado quieta. 

Terminado o trabalho, recolocou as ferramentas no carro, e foi embora com muita calma, olhando tudo o que estava ao seu redor; haviam tantas coisas bonitas e interessantes para serem observadas, sentia uma grande alegria e paz interior. Passou na padaria, comprou os pães, conversou com as pessoas, depois comprou a água e seguiu para sua casa, sem pressa; quando já estava quase chegando, olhou para o lado, para o banco, e sua companheira estava lá, finalmente havia dormido depois de falar na cabeça dele por quase 3 horas. Saiu do carro bem devagarinho, porém, ele sabia que mais cedo ou mais tarde ela acordaria.












Comentários

  1. Muito bom! A ansiedade é minha amiga querida e quase inseparável, mas confesso que muitas vezes canso de sua presença. Vou tentar fazer ela se aquietar e dormir....Bjs

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