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A Aljava, a Flecha, o Arco, o Arqueiro e a Presa

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Ao longe, como expectador, observo um quadro distante de mim... O habilidoso arqueiro saca de sua aljava uma flecha, retesa ao máximo o seu arco, aponta para a presa distante e dispara; a flecha mortífera voa vertiginosamente pelo espaço em um movimento parabólico, e certeira e impiedosamente atinge a sua presa. Aquela imagem causa-me indignação; aproximo-me do quadro e observo o arqueiro; sinto por ele raiva e desprezo; caminho agora em direção a sua pobre presa contorcendo-se em dores no chão; sinto por ela uma profunda compaixão;  Afasto-me do quadro em total desequilíbrio emocional; maldita aljava; maldita flecha; maldito arco; maldito arqueiro; sinto a profunda dor da indefesa presa.  Sou impelido por uma voz interior e imperiosa que vem de dentro de mim:  — Volte e olhe novamente! Aproximo-me e observo atentamente cada detalhe daquele quadro; sou eu a aljava; sou eu a flecha; sou eu o arco; sou eu o arqueiro; sou eu a indefesa presa. ...

O Agricultor Urbano e o Sorriso do Olhar

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O fato aqui narrado ocorreu há muitos anos; foi na época da grande pandemia mundial do coronavírus, período em que todas as pessoas precisavam sair de suas casas de máscara, a fim de evitarem o contágio.  O Agricultor Urbano naquele dia precisou abandonar sua enxada e seu campo, suas perneiras e suas botas, e ir até a loja de produtos agropecuários comprar ração para os seus três vira latas.  Saiu ele então de sua casa, devidamente mascarado e sem suas perneiras e suas botas  —   evento muito raro  — , e enquanto andava pelas ruas, procurava sempre manter uma distância de mais ou menos um metro e meio das pessoas que o circundavam. Chegando à loja, aguardou pacientemente na fila do lado de fora desta; naquele dia ele não poderia entrar e conversar com os seus amigos que trabalhavam ali; naquele dia ele não poderia namorar as ferramentas; naquele dia ele não poderia admirar as botas nas prateleiras; naquele dia ele não poderia tocar nos grãos; naquele...

O Agricultor Urbano e o Seu Ego Falante

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Era uma fria manhã de outono, e o Agricultor Urbano, como de hábito, havia levantado muito cedo a fim de cuidar de suas amadas árvores. Ele não estava solitário na cozinha, pelas imediações, como costumeiramente, seus vira latas aguardavam ansiosamente o momento de partirem para o campo. Seu habitual silêncio — o Agricultor Urbano era de pouquíssimas palavras — e seus solitários pensamentos foram interrompidos pela visita do seu velho Ego Falante, que entrou sem mesmo ser convidado, como já era de praxe. — Bom dia Agricultor! — falou o seu velho Ego falante. — Bom dia Ego Falante — respondeu silenciosamente o Agricultor, enquanto esperava a fervura da água do seu café. Enquanto a água não entrava no seu natural processo de ebulição, as palavras de seu Ego Falante já estavam quase em estado de efervescência... — Agricultor, Agricultor... hoje particurlamente está muito frio, e você tem trabalhado muito nos últimos dias. Suas mudas já foram todas plantadas na primavera e ...

Os Caminhos do Agricultor

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O Agricultor Urbano, naquela luminosa manhã de outono, acompanhado pelos seus vira latas Miúda e Tição, fazia um aceiro, a fim de proteger suas amadas árvores das prováveis queimadas de inverno. Enquanto seus amigos ficavam ali deitados no capim, degustando o sol matinal, ele, de forma silenciosa e vigorosa, manejava com destreza sua enxada, e enquanto carpia o capim do solo, do chão de sua mente brotavam, não árvores, mas felizes pensamentos de liberdade: "Existe dentro de mim um inequívoco e singular caminho. Caso eu siga por ele, meus pés certamente se ferirão nos muitos espinhos que virão, porém, esta árdua caminhada trará para mim a segurança de jamais me perder pelos plurais e incertos  descaminhos do mundo". "Pergunto para mim mesmo: Qual caminho devo seguir? A resposta não está em minhas mãos, mas nas botas que calçam os meus pés, quando ando com alegria por tortuosos caminhos de chão cobertos de relva e árvores; a resposta está neste momento, neste glo...

O Agricultor e o Bambu Gigante

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O que vai ser narrado aqui ocorreu em um tempo muito distante, um tempo em que um vírus denominado corona paralisou o mundo todo, levando grande parte da população mundial a cumprir um período de quarentena em suas próprias casas  — aqueles que duvidarem consultem os livros de história .  Naqueles dias, o Agricultor Urbano trocou a prisão domiciliar pela liberdade de andar quase que o dia todo, com mais tempo e mais vagar, pela grande área verde nos fundos do seu quintal  —  suas botas ficaram muito gastas.  Nas suas andanças, era comum para ele admirar com encanto, a grande moita de bambu gigante que crescia nos fundos da casa do seu vizinho. Os bambus eram enormes, e o bambual proporcionava nos dias de verão uma sombra agradável e cheia de frescor. Num certo dia o seu vizinho, que também gostava dos bambus, vendeu o seu terreno e  partiu para outras terras. Um jovem que não gostava de bambus adquiriu a propriedade e mandou buscar muitos tijolos e, po...

Saudade Encolhida

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Domingo, final de tarde, horário do Agricultor Urbano ir embora para a cidade grande. Sua companheira, a vira lata Miúda já sabe, e por saber, já entregou os pontos.  Permanecerá deitada no seu canto até o dia seguinte; neste período, ficará quieta, não latirá  —  nem mesmo para os garis e eventuais carteiros  — , e não abanará o rabo nem para a dona da casa, a quem também ela ama muito. O Agricultor a convida para ir ao portão para a latida de despedida; sem chance. Tenta ainda animá-la com palavras carinhosas dizendo que retorna brevemente; pura perda de tempo. Para a sua amiga de quatro patas, o domingo termina bem antes da musiquinha do programa do fantástico; a dor de quem parte encolhidinho em sua saudade, é tão grande quanto a saudade de quem fica encolhidinha no seu canto, no seu canto de amor.

A Água do Rio

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Acabei de beber a água do Rio de Janeiro;  está muito ruim a água do rio.  É preciso cuidar do homem;  a fim de que o homem cuide da terra; e a terra cuide da floresta;  e a floresta cuide do rio;  e o rio cuide da água;  e a água cuide da gente;  da gente que gosta de beber a água do rio; de todos os rios; até mesmo do Rio de Janeiro.