Postagens

Sinto Muito, Mas Não Pretendo Ser Um Imperador

Imagem
Era uma manhã de domingo, verão ainda, princípio de março, quase outono; o morro era alto, muito alto, um dos maiores da cidade, e bem lá no alto dele, solitariamente, o Agricultor Urbano plantava suas árvores, acompanhado de Nina, Tição e Miúda, seus vira-latas e grandes amigos.  Naquele dia e naquela área, depois de combater com unhas e dentes o capim braquiária, que de tão resistente até parecia um rolo de fios metálicos, o Agricultor fez algumas covas e resolveu plantar algumas palmeiras. Plantou então dez palmeiras jerivás, planta nativa em grande parte da América do Sul, e também cinco palmeiras imperiais, palmeira de elevadíssimo porte, nativa da região do Caribe e da América Central.  Enquanto plantava as palmeiras imperiais o Agricultor lembrou-se, através de suas leituras, que aquelas plantas já haviam sido símbolo de grande prestígio social na época do império no Brasil. Suas sementes somente podiam ser cultivadas por ordens imperiais, e somente alguns ...

A Lanterna Interior

Imagem
Eram mais de vinte e três horas, o Moço das Letras apagou as luzes de sua casa;  estava na sua hora de dormir. - Vamos acender a luz Moço das Letras, vamos acender a luz... - Criança... você por aqui a esta hora. Já deveria estar dormindo. Você tem medo do escuro? - Quero contar uma história para você. - Melhor deixar para amanhã, não consigo escrever no escuro - falou sorrindo o Moço das Letras. - Você consegue ouvir no escuro? - Perguntou a Criança. - Sim, claro que consigo. - Pois então ouça, mas por favor, não durma até que eu termine a narrativa. O Moço das Letras sabia que seria inútil insistir com a Criança; para abreviar  a situação - estava cansado -, concordou então em ouvir a história - o que não tem remédio, remediado está. A Criança então, ali ao seu lado, na escuridão do quarto, começou a contar a história para ele... "Era uma vez, lá no Reino do Concreto, um Homem que desejava muito viver em si mesmo a santidade de alguns gra...

Venha Criança, Venha...

Imagem
- Está escuro aqui... - Venha Criança, venha... venha que vou te embalar em meu colo até você adormecer, e juntos então atravessaremos a longa escuridão da noite da vida; - Estou com tanto medo... - Venha Criança, venha... venha que vou cantar lindas cantigas para você até o dia amanhecer, cantarei mesmo até o fim dos tempos de todos os teus temores; - Estou com tanto medo de sair, tanto medo de cair... - Venha Criança, venha... venha e segure em minhas mãos, vou amparar você, vou caminhar com você por todos os dias de sua vida, e se você cair, cairemos juntos, e juntos levantaremos, e juntos prosseguiremos; - Estou com tanto medo de olhar... - Venha Criança, venha... venha e olhe, venha e veja... veja o mundo, veja as pessoas e as coisas, veja o céu, veja o sol, veja tudo Criança, olhe para tudo sem medo, pois é pelo olhar que entra toda a luz da vida; - Estou com tanto medo de sentir... - Venha Criança, venha.....

Paralelo Mundo

Imagem
Não é hoje, não é aqui, não é agora; não foi ontem, foi muito antes, foi passado e sou uma criança; n ão sei onde estou, mas estou com medo... Medo de sair lá fora, tudo é hostil lá;  lá fora podem me contrariar, lá fora podem dizer não para mim, lá fora podem perceber a minha real natureza; lá fora posso ser visto, lá fora tem o bicho papão, lá fora tem o homem da capa preta que aponta o dedo; lá fora tem o homem do olhar de pedra, lá fora tem o homem do semblante fechado... Lá fora é terrível, não consigo ir lá fora, tenho medo... vou ficar por aqui, ficar em meu mundo... mas não existe nenhum mundo aqui dentro, somente o mundo lá de fora... vou criar então um mundo paralelo dentro de mim; um mundo protegido, um mundo só meu, um mundo onde ninguém entra, um mundo onde não sou olhado, visto, questionado, julgado; um mundo feliz e solitário, um mundo protegido de tudo e de todos, um mundo onde posso esconder-me da realidade lá de fora, a realidade que eu sou, a realida...

O Menino e o Circo

Imagem
O Moço das Letras estava na cozinha, na cidade do Rio de Janeiro, terminando de preparar o jantar daquele dia, — uma sopa de lentilhas. — Como tem passado Moço das Letras? — Falou a Criança Interior ali do lado da pia, ainda com aquela camisa vermelha e branca .  — Vou bem Criança, vou bem... — Belíssimas panelas as suas. Todas em aço inox e brilhantes, bem mais brilhantes do que as panelas do circo. — Circo? Que circo Criança? Além do guaraná lá na Praça do Estácio naquele domingo, você bebeu também outra coisa? —  Hoje escreveremos sobre um certo Menino... —  Qual deles? o menino Lampião do Reino do Meio, ou o menino Alecrim do Reino do Norte; ou ainda, o príncipe Zinho do Reino do Sul. —  Nenhum deles; escreveremos sobre o Menino do Reino do Concreto. —  Reino do Concreto? Que Reino é esse que eu não conheço. —  Conhece sim Moço das Letras. É o reino onde você vive. —  Ah... entendi. E é Concreto porque...

Se Alguém quer Matar-me de Amor, que Me Mate no Estácio

Imagem
Já passavam das vinte e uma horas quando o Moço das Letras embarcou em seu ônibus urbano em direção ao bairro de Botafogo, na cidade do Rio de Janeiro. Depois de alguns instantes estava no Estácio, perto do Sambódromo, onde avistou bem próximo uma praça tomada de crianças, jovens, adultos e idosos, todos ali, vivendo aquele instante descontraidamente, de um jeito único, um jeito bem carioca. O Moço das Letras observou a praça atentamente, e neste momento percebeu do seu lado no banco sua Criança Interior em pé, observando a praça também. - O que está fazendo em pé aí Criança? - Sempre gostei de andar em pé ao lado da janela, pois assim posso contemplar melhor a paisagem; faço isto desde os tempos em que ia com a costureira na feira.  O ônibus seguia o seu trajeto em direção ao Catumbi, o próximo bairro das cercanias. - Nenhuma árvore... - falou a Criança Interior. - É verdade Criança - respondeu o Moço das Letras. - A arborização das praças e ruas da cidade ...

Uma Verdadeira Fábula

Imagem
O Moço das Letras estava no Rio de Janeiro, almoçando no centro da cidade; o dia estava quente, muito quente. Então ele sentiu um beliscão em sua perna, "algum inseto talvez", pensou ele. Não era inseto, era sua Criança Interior que resolveu aparecer por ali. — Alo Moço das Letras. — Tudo bem Criança ? — Está faltando água!  — Sempre houve problema de falta d'água na cidade do Rio de Janeiro, principalmente na zona oeste, desde a época do império.  — Não... está faltando água no Reino do Sul. Você consegue uma sobremesa para mim.  — Claro Criança...  Poucos minutos depois a Criança estava comendo doce de abóbora, enquanto o Moço das Letras almoçava.  — Posso ditar uma história para você? — Perguntou a Criança.  — Complicado agora, não tenho como escrever aqui no restaurante.  — Fazemos assim: Eu vou comendo o doce e narrando a história, e à noite, na sua casa, você escreve, compreendeu? — Respondeu a Cri...