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A Alegria do Sebastião

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Ainda era Natal, o sol já ia alto no céu, mas apesar do adiantado da hora, o Agricultor precisava ir ao campo. Miúda, Nina e Tição, seus vira latas, o acompanharam como sempre. Pegou então sua velha cavadeira, três mudas no viveiro e seguiu bosque adentro, e bem adiante, em  um local ainda descampado, preparou o solo para o plantio das três árvores.  O Agricultor não dava muita importância para aquela data, mas percebia que havia ali naquele período do ano alguma magia, algo além do que ele poderia compreender, existia alguma coisa... Lembrou-se dos anos da infância e do seu pai, o caminhoneiro solitário, que quando estava em casa para as festas de final de ano irradiava alegria, contagiando  todos aqueles que estavam ao seu redor. Então, enquanto plantava, sentiu em si aquela mesma alegria, a alegria do Sebastião, e era tão grande a alegria que não cabia mais nele, e então, tal como o caminhoneiro naqueles dias distantes, a alegria começou  a jorrar de seu ...

A Visita do Agricultor Urbano

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Dezembro já ia avançado, e como a vida, como o tempo e como o vento, estava também em constante movimento, bem próximo de janeiro. Naquele dia, uma brisa constante vinha da enseada, refrescando todo o entorno. O Agricultor Urbano estava por ali, pelas ruas de Botafogo, no Rio de Janeiro, resolveu então fazer uma visita ao Moço das Letras, seu grande amigo, que residia pelas proximidades. Chegou na vila, passou pela entrada principal, seguiu adiante,  na casa abriu o portão e entrou devagarinho, sem anunciar, ele era sempre muito bem vindo, sua amizade com o Moço dispensava cerimônias. Na sala avistou o amigo sentado em uma cadeira, e sobre a mesa uma folha de papel e uma caneta. O Moço das Letras estava cochilando, possivelmente estava cansado, o Agricultor observou a folha, estava em branco ainda, sentou-se então, de mansinho, tirou o seu chapéu, pegou a caneta e começou a escrever sobre a folha... "Seja como uma semente que no interior do solo confia plenamente na vid...

O Homem que Construía Pontes

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Saio de casa, coloco a máscara e falo para o mundo. Falo do céu, falo do sol, falo da vida e da morte, falo sobre os outros, falo sobre tudo, falo com eloquência, encanto as multidões... Volto para casa, tiro a máscara e calo. A angustia corrói o meu coração, sinto-me tão frágil, falei tanto dos outros e para os outros, simplesmente para não falar nada a meu respeito, simplesmente para me esconder, simplesmente para fugir, fugir de mim. Lá no fundo do meu coração, em um dos cantos, meu orgulho, velho e conhecido amigo, ou inimigo, talvez, sobre um pedestal mais uma vez ri de mim,  mais uma vez ele representou tão bem o seu papel, no outro canto, no entanto,  o poder divino que habita em mim sorri para nós um sorriso de amor, um sorriso da mais profunda tolerância. Saio de casa sem a máscara e falo para o mundo. Falo sobre meus medos, minhas misérias e anseios, falo sobre uma  viagem para dentro de mim, falo sobre minha humanidade, sobre a esperança que habi...

O Homem na Bolha

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Um dia, lá pela metade de sua vida, um homem descobriu que vivia dentro de uma bolha,  onde todas as emoções eram filtradas, onde nada entrava sem passar pelos filtros  emocionais elaborados pela sua poderosa mente. Aquela bolha foi construída inconscientemente com o objetivo de protegê-lo de todos  os sentimentos desagradáveis que vinham do mundo exterior, sentimentos que existiam somente nos outros, não nele que era perfeito e frágil, um enviado dos céus, e obviamente não desejava misturar-se com os demais. Então, para proteger-se daqueles seres tão infernais, os outros humanos, construiu e passou a viver na sua confortável bolha emocional, passou a viver na sua poderosa fortaleza.  A bolha era quentinha, cheia de livros, solitária e agradável, visível e palpável somente para ele, nenhum outro mortal conseguia percebê-la, era algo profundamente pessoal, um mundo somente dele, como um útero materno que ainda o abrigava depois dos nove meses. ...

Um Sopro de Deus

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Havia uma grande pedra no fundo daquele poço, onde aquele homem muitas vezes passava dias e dias sentado, sempre calado, triste, melancólico, nostálgico, encolhidinho, sofrido... Ele estava cansado de viver dentro poço, o poço das suas próprias emoções, onde habitava medo, angústia, melancolia, solidão, ressentimento, indiferença e uma infinidade de sentimentos negativos.  Descobriu que estava no poço porque todos aqueles sentimentos do poço eram na verdade as suas próprias emoções, ou seja, ele não havia sido colocado lá por ninguém, no fundo do poço ele era poço e fundo também. Com o passar do tempo ele descobriu que não fazia mais sentido estar ali dentro, já não tinha mais medo, já não sentia mais solidão, angústia ou indiferença, ele estava mudado e precisava então mudar de ambiente, sentia-se agora como um inquilino em casa alheia, precisava sair do poço, sua alma dizia isto para ele.  No fundo daquele poço ele era o seu próprio e pequenino deus, e...

Era um Sábado

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Era um sábado, muito cedo, todos dormiam. Com as chuvas de novembro, a primavera finalmente havia chegado, o viveiro do Agricultor estava cheio de mudas, estava então na hora de levar aquelas amadas para o campo, a terra estava pronta, o Agricultor e suas ferramentas também. O Agricultor amava os sábados, era um dia especial, depois dele viria o domingo, e antes dele havia sido uma sexta feira, portanto um dia muito especial, entre dois outros dias igualmente especiais, e neste dia sua mente começava aos poucos a desligar-se da rotina da semana, os sábados poderiam ser eternos, pensava o Agricultor.  Pegou inúmeras mudas no viveiro e saiu pelo campo, todos dormiam ainda, o sol não havia ainda despontado no horizonte, talvez estivesse adormecido também, o Agricultor amava aquelas primeiras horas matinais, conseguia ouvir o canto de muitos passarinhos, sem a interferência dos ruídos urbanos e humanos, uma graça.  Passando agora pela beira da rua, percebeu a mangueira pl...

O Doutor Que Veio do Céu

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O que vou contar agora já se perdeu nas noites do tempo, porém a emoção de quem me relatou era presente e profunda, como se o fato tivesse acontecido nos dias atuais. Vamos então voltar no passado, sessenta ou setenta anos atrás, lá pelas bandas da Serra da Mantiqueira, no sul das Minas Gerais, naquelas terras onde a água jorra com abundância e alegria do chão. Antônio, o vaqueiro, estava doente, o desânimo havia tomado conta de sua vida, não tinha mais forças para cuidar de sua família, de seu gado, de sua lavoura, de suas criações, não tinha mais forças tocar sua viola e contar seus "causos", não tinha forças para mais nada, dia a dia sentia-se cada vez mais fraco, e isto enchia o seu coração de tristeza. Ele que sempre havia sido tão ativo, passava agora horas e horas do seu dia sentado em uma cadeira, tomado pelo mais profundo desânimo, olhando para fora, para as terras, para as serras, olhando para tudo ao redor, sem coragem para fazer nada, como se estivess...