O Homem na Bolha
Um dia, lá pela metade de sua vida, um homem descobriu que vivia dentro de uma bolha, onde todas as emoções eram filtradas, onde nada entrava sem passar pelos filtros emocionais elaborados pela sua poderosa mente.
Aquela bolha foi construída inconscientemente com o objetivo de protegê-lo de todos os sentimentos desagradáveis que vinham do mundo exterior, sentimentos que existiam somente nos outros, não nele que era perfeito e frágil, um enviado dos céus, e obviamente não desejava misturar-se com os demais. Então, para proteger-se daqueles seres tão infernais, os outros humanos, construiu e passou a viver na sua confortável bolha emocional, passou a viver na sua poderosa fortaleza.
A bolha era quentinha, cheia de livros, solitária e agradável, visível e palpável somente para ele, nenhum outro mortal conseguia percebê-la, era algo profundamente pessoal, um mundo somente dele, como um útero materno que ainda o abrigava depois dos nove meses.
Com o passar dos anos a bolha foi crescendo e ele sentindo ali dentro o conforto dos encarcerados, sentido ali a liberdade dos pássaros sem asas, dos barcos sem mar, das sementes sem chão, sentindo em si a mais profunda orfandade de pai, de mãe, de amigo, de vida, de namorada, de Deus, orfandade de tudo, passando a sentir dentro da bolha a mais profunda solidão, sentindo mesmo o tal vazio da existência.
A bolha, através de sua mente foi ganhando força e vida própria, e agora, depois de tantos e tantos anos, não era mais ele quem a controlava, ele descobriu que não possuía uma bolha, mas que era possuído por ela, transformou-se então em um escravo e prisioneiro de sua própria criação, passando desde então a ser constantemente vigiado pelo todo poderoso Senhor da bolha.
Foi terrível para ele, preso naquele mundo mental, descobrir que todas as dificuldades percebida nos outros e no mundo estavam mesmo era dentro dele, e agora, cheio de sofrimento ele constatava que vivia na sua prisão, e o pior de tudo, vivia ali com todos os inimigos que ele achava que estavam do lado de fora, pois somente agora descobria que o único inimigo era ele mesmo.
A bolha podia protegê-lo dos mau humorados do lado de fora, porém, não podia libertá-lo do mau humorado que habitava dentro dele. Muitas vezes ele via lindas garotas do lado de fora da bolha, porém, por não conseguir expressar-se com liberdade, devido a limitação da bolha, perdeu vários encontros, deixou de abraçar, de paquerar, de namorar, de passear com elas pelos cinemas e teatros, pelas praias e pelos campos, deixou de sentir o toque, deixou de olhar, deixou de viver... Um horror mental, um deserto em vida, um desterro, cruz credo.
Então, dentro da bolha cresceu medo, raiva, ressentimento, amargura, tristeza... Sem o prévio controle nada entrava ou saia da bolha, todos os sentimentos e emoções eram rigorosamente filtrados pelo Senhor da bolha. Hoje vou ver o mar, e o Senhor da bolha ia junto, hoje vou namorar aquela menina da casa amarela, aquela linda menina de roupas de listras lá das terras do café, e o Senhor da bolha dizia que não, hoje vou dançar a noite inteira e o Senhor da bolha dizia que não, sempre não, um Senhor poderoso, mesquinho e medíocre, prendendo um homem em sua cortina de ferro, mantendo-o trancafiado em sua bolha mental e emocional.
Então, dentro da bolha cresceu medo, raiva, ressentimento, amargura, tristeza... Sem o prévio controle nada entrava ou saia da bolha, todos os sentimentos e emoções eram rigorosamente filtrados pelo Senhor da bolha. Hoje vou ver o mar, e o Senhor da bolha ia junto, hoje vou namorar aquela menina da casa amarela, aquela linda menina de roupas de listras lá das terras do café, e o Senhor da bolha dizia que não, hoje vou dançar a noite inteira e o Senhor da bolha dizia que não, sempre não, um Senhor poderoso, mesquinho e medíocre, prendendo um homem em sua cortina de ferro, mantendo-o trancafiado em sua bolha mental e emocional.
Foi grande a dor do encarcerado da bolha ao perceber que fora desta havia alegria, paz, contentamento, belezas sem fim, praias, por e nascer do sol, vento de outono, chuva de verão, flores de infinitos matizes na primavera, café quentinho com pão de queijo, música, beijos, abraços, amizade, crianças, idosos, despedidas, encontros, rios, mares, pássaros, terra, árvores, vida plena, enfim.
E assim aquele homem foi vivendo sua vida de forma parcial, sempre longe da plenitude, sempre sob a tutela do Senhor da bolha, uma vida sem graça, sem sim nem não, uma vida mais ou menos, meio cinzenta e opaca, uma vida sem brilho, sem coragem, sem luz, mais parecia o infeliz um alemão oriental obstruído pelo muro de Berlim.
Mas ele agora desejava muito sair dali, sua consciência finalmente havia despertado, não queria mais o cárcere, acharia preferível morrer fora da bolha, uma morte com dignidade, do que viver ali dentro daquela prisão, chafurdando na sua própria miséria moral, estava farto, criou então coragem e resolveu que de uma forma ou de outra sairia dali para sempre, e definitivamente mandaria às favas aquele obtuso e obscuro Senhor da bolha.
O homem da bolha morava em uma cidade cheia de morros, teve então uma ideia e dia após dia foi pensando a respeito dela. Então, naquele inesquecível dia, acordou cedo e subiu a colina próxima à sua casa, acompanhado pelos seus amados vira-latas, caminhou até o topo, de lá olhou o horizonte e avistou a cidade ao longe, avistou a grande indústria, avistou bem longe a serra com suas escarpas íngremes, avistou o céu, avistou tudo...
Lá do alto, olhou para baixo e notou aquela enorme rampa que descia suavemente, como um tobogã, até o sopé do morro, coberta de capim e cupinzeiros entre as árvores, e pensou que se deixasse sua bolha rolar por aquela ladeira abaixo, poderia estourá-la, e quem sabe assim encontrar a tão sonhada liberdade.
Ele poderia mesmo morrer ladeira abaixo dentro daquela bolha, mas não importava, queria romper com aquilo, queria sair do seu mundo da lua, queria sentir e pisar no chão da Terra, não trabalhava na NASA, não era astronauta, não estava em Marte nem Vênus ou Saturno, e não desejava mais sair pela vida afora dentro daquela roupagem espacial, ou quem sabe daquela couraça emocional.
Posicionou-se se então no alto da colina, riu de si mesmo, fez o sinal da cruz, soltou-se e lentamente a bolha começou a rolar morro abaixo, seu coração disparava, a bolha ia ganhando velocidade, e ele tonto ali dentro, olhando para trás percebia ainda os cachorros latindo no seu encalço, e a bolha ganhando velocidade como uma bola de neve montanha abaixo, ele foi ficando tonto e a bolha rolando e os cachorros latindo e correndo, e a bolha rolando velozmente colina abaixo, e então, no final da ladeira esta choca-se com um cupinzeiro, ganha altura e rompe-se num estouro, projetando o homem para fora, que rola ainda mais um alguns metros, até parar no meio de uma moita de capim.
Lá do alto, olhou para baixo e notou aquela enorme rampa que descia suavemente, como um tobogã, até o sopé do morro, coberta de capim e cupinzeiros entre as árvores, e pensou que se deixasse sua bolha rolar por aquela ladeira abaixo, poderia estourá-la, e quem sabe assim encontrar a tão sonhada liberdade.
Ele poderia mesmo morrer ladeira abaixo dentro daquela bolha, mas não importava, queria romper com aquilo, queria sair do seu mundo da lua, queria sentir e pisar no chão da Terra, não trabalhava na NASA, não era astronauta, não estava em Marte nem Vênus ou Saturno, e não desejava mais sair pela vida afora dentro daquela roupagem espacial, ou quem sabe daquela couraça emocional.
Posicionou-se se então no alto da colina, riu de si mesmo, fez o sinal da cruz, soltou-se e lentamente a bolha começou a rolar morro abaixo, seu coração disparava, a bolha ia ganhando velocidade, e ele tonto ali dentro, olhando para trás percebia ainda os cachorros latindo no seu encalço, e a bolha ganhando velocidade como uma bola de neve montanha abaixo, ele foi ficando tonto e a bolha rolando e os cachorros latindo e correndo, e a bolha rolando velozmente colina abaixo, e então, no final da ladeira esta choca-se com um cupinzeiro, ganha altura e rompe-se num estouro, projetando o homem para fora, que rola ainda mais um alguns metros, até parar no meio de uma moita de capim.
Apesar da tonteira e de algumas dores, o homem sentiu o seu pleno contato com o chão, sentiu o cheiro da terra, sentiu os raios solares, sentiu o odor de tudo que estava em volta, sentiu a vida pulsar em si sem nenhuma limitação mental, sentiu que estava livre de uma prisão, percebeu que o Senhor da Bolha, o chefe do seu cárcere não existia mais, havia finalmente ido para o espaço com a explosão, e que a vida fora da bolha era extraordinária, poderia sentir tudo agora, de forma profunda e verdadeira, poderia finalmente vivenciar a plenitude de todos os sentimentos humanos, principalmente o amor, do qual sentia apenas leves insinuações, ele agora era livre e estava feliz.
Sentiu os vira-latas chegando e lambendo o seu rosto de forma carinhosa, era uma delícia aquilo, abraçou e conversou com os bichos com a mais profunda alegria e atenção, levantou-se e começou lentamente a caminhar ladeira acima, tudo agora era belo, o céu, o sol, as árvores, o canto das cigarras e dos pássaros, tudo era maravilhoso, era verdadeiramente extraordinário sentir aquela liberdade que vinha de dentro, a liberdade da sua alma recém liberta.
No final daquela tarde o homem foi para sua casa e ouviu os Beatles, que lindo, depois abraçou com todo o carinho do seu coração sua mulher e o filho, e então cansado e feliz deitou dormiu e sonhou, e no sonho, tal como na vida, ele era livre também.
Bolha de emoção que aprisiona,
bolha que cresceu como uma bolha de ilusão,
bolha que explodiu como uma bolha de sabão.
Só por hoje serei profundamente feliz...
No final daquela tarde o homem foi para sua casa e ouviu os Beatles, que lindo, depois abraçou com todo o carinho do seu coração sua mulher e o filho, e então cansado e feliz deitou dormiu e sonhou, e no sonho, tal como na vida, ele era livre também.
Bolha de emoção que aprisiona,
bolha que cresceu como uma bolha de ilusão,
bolha que explodiu como uma bolha de sabão.
Só por hoje serei profundamente feliz...
Que texto rico! Essa bolha muitas vezes recebe o nome de depressão e/ou ansiedade. Eu convivo com ansiedade e essa metáfora da bolha é perfeita! Show!
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