Num Canto Qualquer de Uma Certa Praça

Não era uma vez, era um domingo e o Agricultor estava numa praça, mas por mais incrível que possa parecer, não estava plantando árvores, estava na verdade, à procura delas.

Andava de cabeça baixa, observando com seus olhos atentos cada detalhe que via no chão, até que começou a encontrar o que estava procurando — minúsculas árvores em crescimento.

Quando o Agricultor começou a aproximar-se das pequeninas árvores, notou um certo ar de preocupação e até mesmo um sentimento de medo entre elas.

— Bom dia árvores mirins — falou o Agricultor.

Uma das diminutas árvores começou a falar com o Agricultor; tudo indicava que era a porta voz de todas as demais.

— Moço, estamos aqui e somos completamente desprezadas por todos; somos muitas vezes ignoradas, maltratadas, pisoteadas, e quando começamos a crescer, somos cortadas pelas serras ou arrancadas do solo pelas enxadas dos "jardineiros municipais". O que você deseja de nós?

— Vocês gostariam de crescer livremente no meu quintal? Lá o espaço horizontal é muito grande, e o espaço vertical é infinito, meu quintal é maior do que o mundo e é diariamente visitado pelo sol; todas vocês podem ir para lá se desejarem.

— Está falando sério moço?

— Claro que estou.

— Sem futuras serras, sem futuras machadadas, sem futuras queimadas para carvão, sem futuras madeira para a construção moço?

— Sim, sim, sim... vocês crescerão livremente e viverão em paz, palavra de Agricultor. O que vocês acham da ideia?

A porta voz das árvores pediu alguns minutos, falou com suas companheiras, e em seguida voltou a falar com o Agricultor.

— Moço, já que todos os homens falam e muitos deles mentem, além de sua palavra existe alguma maneira de provar que está dizendo a verdade?

— Creio que sim; olhem ao redor e verão inúmeras árvores frondosas. Perguntem ao meu respeito a quaisquer delas, por favor, eu aguardo aqui.

Alguns minutos depois a porta voz retornou.

— Moço, ficamos sabendo que muitas das árvores aqui desta praça foram plantadas através de suas mãos, e isto é o suficiente para atestar sua palavra; aceitamos o convite para crescermos no seu quintal.

Então, uma a uma elas foram gentilmente retiradas do solo com o respectivo torrão, e em seguida colocadas em um vaso com terra fofa e bastante humidade; não demorou muito e o Agricultor e suas companheiras — agora já mais descontraídas — estavam dentro do carro transitando em direção ao seu quintal. As jovens árvores eram muito sinceras...

— Moço, falam que minhas raízes quebram as calçadas — falou a pequena Amendoeira.  Eu posso ir mesmo assim para o seu quintal?

— Sem problemas Amendoeira, sem problemas... no meu quintal não tem calçadas, mas mesmo se tivesse você seria bem-vinda lá.

— Moço, eu solto muitas sementes e em pouco tempo cresço em todos os lugares — comentou a Aroeira Pimenteira —, e para muitos sou uma verdadeira praga. Posso ir apesar disto?

— Claro que pode Aroeira, você e suas futuras gerações serão sempre apreciadas por todos aqueles que amam a vida e a beleza.

— Moço, dizem que minha madeira só presta para carvão e como eu não serei queimada no seu quintal, poderei ir mesmo assim? — perguntou ou o Pau Jacaré.

— Será muito bem-vindo lá meu amigo Jacaré; para mim você jamais será sacas de carvão em potencial, mas um lindo e singular diamante cujo brilho próprio irradiará por toda a mata.

— Moço, eu sou uma árvore exótica, mas precisamente do continente africano, e muitos me desprezam por isto. Eu posso ir assim mesmo? — questionou o Flamboyant.

— Sem a menor sombra de dúvida que pode! Carrego sangue africano em minhas veias, portanto, sou tão exótico quanto você.

Agora totalmente descontraídas, as diminutas árvores perguntaram ao Agricultor se poderiam dar uma olhadinha pela janelinha do carro.

- Sintam-se a vontade.

Então, as pequeninas árvores felizes como nunca viram o céu, o rio Paraíba do Sul e sua volta redonda, as pessoas, as praças, as ruas, as serras ao longe, viram tudo o que tinha para ser visto, e enorme foi a a alegria de cada uma delas.

— Moço, moço... qual é o seu nome? perguntou uma ameixeira.

— Prazer em conhece-las, eu sou o Agricultor Urbano, e vocês quem são?

As respostas foram chegando mansamente, como se aquilo fosse música para os seus ouvidos...

— O prazer é todo nosso — responderam o Ipê, a Paineira, o Cedro, o Amendoim do Campo, a Caneleira, a Ameixeira, a Amendoeira, o Pau Jacaré, o Angico Vermelho, a Aroeira Pimenteira, o Flamboyant, responderam, enfim, todas aquelas pequeninas árvores a pouco tempo atrás simplesmente abandonadas à própria sorte, num canto qualquer de uma certa praça.

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