O Padrinho do Agricultor

O agricultor saiu mais cedo de casa, pegou o ônibus na Tijuca e foi para o seu trabalho no centro da Cidade do Rio de Janeiro. Chegando à Central do Brasil, metade do percurso, resolveu descer, precisava ir à casa de seu padrinho, ali bem pertinho, no Campo de Santana. Fazia já um bom tempo que ele não fazia aquela visita, a saudade era grande, e lá foi ele todo feliz para o encontro. Chegando nas portas da Igreja de São Jorge, entrou, escolheu um banco e sentou-se, sentia-se muito à vontade ali naquele Igreja tão simples, a casa do seu padrinho. Das muitas igrejas do centro da cidade do Rio de Janeiro, aquela era umas das mais visitadas, e a simplicidade enchia de encanto a alma do agricultor, ali dentro ele se sentia muito à vontade, sentia-se como se em sua própria casa. Lá no fundo da igreja, montado em seu cavalo, estava o padrinho, forte, bonito, corajoso... E o agricultor sentado no banco, como qualquer ser humano, chorava suas dores e fazia os seus pedidos. "Estou tão cansado padrinho, sabe, às vezes acho que não vou dar conta de tantos dragões, são contas para pagar, pressão no trabalho, pessoas autoritárias pegando no meu pé, tenho dormido pouco, fico às vezes preocupado com o futuro, sinto-me também, muitas vezes ausente do presente, é como se estivesse mergulhado em um mundo cheio de ruído, como se estivesse atravessando um imenso deserto, às vezes padrinho, acordo bem cedo e ai não consigo mais dormir, fico pensando, pensando, pensando toda vida padrinho, penso tanto que me canso, e enquanto vou pensando não vou sentindo, e quanto menos sinto, mais cansado fico, a chapa tá quente padrinho. Sabe, às vezes ando pelas ruas, e o peso de minha dor é tanta padrinho, que confesso para ti, muitas vezes choro de tanta angústia, de tanta dor, choro pelo homem velho que ainda sou, e choro mais ainda padrinho, pelo homem renovado que desejo ser, porém, esta realização interior parece tão longe, infinitamente distante, e eu cansado, tão cansado, pensando mesmo em desistir da busca..." E depois de rezar o seu rosário de desencantos, o agricultor vai ficando mais relaxado, mais leve, mais confiante, e então, ele observa o padrinho querido descendo do seu cavalo e vindo até ele, ofertando lhe um abraço e dizendo lhe algumas palavras amigas, palavras que chegam direto ao seu coração aflito... "Afilhado meu, desanima não, toca em frente, mantenha a sua dignidade, nunca se esqueça de buscar dentro de ti o seu Deus, procure viver de forma mais leve, tranquila e confiante, saiba que o que você der à vida, a vida te dará de volta, continue na sua caminhada, nunca desista de você mesmo, confie mais em ti, saiba que, palavra de padrinho, o Senhor teu Deus habita bem dentro de você, nunca desista desta busca, e jamais se esqueça meu afilhado, que o amor é a força mais poderosa de todo o universo, portanto, nunca desista do amor,quaisquer que sejam as circunstâncias." Seu padrinho vai então se afastando, é preciso voltar para o cavalo e continuar combatendo o dragão, vida de santo também não é fácil, e o agricultor agradecido e um pouco mais confiante vai deixando a igreja, dirigindo-se para o Saara, não o deserto, mas aquela área de comércio popular da cidade, em direção ao seu trabalho, levando dentro de si a imagem amiga do padrinho, e sobretudo muita confiança para continuar lutando contra seus inúmeros dragões interiores. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Agricultor e a Poetisa Ferida

O Marido, a Mulher, o Rio e a Calça

A Finitude das Redes e a Infinitude do Mar