O Senhor dos Relógios
O Relógio marca o tempo, tempo de semear... |
Naquela empresa tudo girava em função das horas, hora de entrada, hora de saída, hora de expedir mercadorias, hora de receber produtos, hora do almoço, hora de reunião, hora de importar, de exportar, enfim hora para tudo. As horas eram controladas por inúmeros relógios espalhados por todos os departamentos e, detalhe, os relógios eram regulados conforme o fuso horário de vários lugares do país e mesmo do mundo. Se alguém precisasse falar com um cliente no Japão, o momento adequado seria definido pelo relógio com o fuso japonês, se a conversa fosse com os europeus, haviam também lá os relógios com o fuso de toda a Europa, se o assunto fosse pertinente a alguém lá em Brasília, obviamente havia lá naquela empresa um ou mais relógios com o fuso da capital, e assim por diante. Com o passar do tempo a empresa cresceu muito, contratou muitas pessoas, o negócio prosperou muito, e consequentemente, o número de relógios aumentou significativamente. E ai os problemas começaram a surgir, pois, pouco a pouco, os relógios começaram a apresentar problemas, alguns atrasavam, outros adiantavam, ou simplesmente paravam, e isto foi gerando em todo o ambiente um clima de desconforto, descompasso, os clientes passaram a reclamar muito da falta de pontualidade, os americanos ameaçaram romper os contratos, a união européia enviou consultores para uma verificação, os japoneses enviaram comitivas para sondar o problema e assim por diante. A empresa, tentando colocar as horas em dia, contratou inúmeros profissionais de mercado, alguns com inúmeros títulos, certificados, cursos no exterior, profissionais caros, porém, os problemas continuavam, os inúmeros relógios não mais funcionavam a contento. Novos departamentos foram criados para resolver a questão, haviam reuniões quase que diárias para tentar uma solução e nada, de forma que, com o tempo, aquela empresa outrora tão próspera ficou mais voltada para os problemas pertinentes à hora, do que ao negócio em si, e com o passar das horas isto transformou-se em algo natural, ou seja, dia após dia as pessoas simplesmente tentavam solucionar problemas, e nesta altura já nem sabiam mais que a causa de tudo aquilo era o descompasso das horas. Um dia contrataram um relojoeiro para resolver um problema específico com um dos infinitos relógios, o homem chegou de forma discreta, inteirou-se do problema, e em alguns dias, de forma pacífica e silenciosa fez os ajustes necessários e o relógio voltou a funcionar normalmente. Os empregados da empresa gostaram muito do serviço dele e resolveram deixa-lo lá mais um tempo, e deram para ele mais relógios para reparos, e ele reparava um por um, com muita atenção e carinho. Como aquele relojoeiro era muito simples, não exigia nada, trabalhava de forma tão discreta, foram deixando que ele ficasse por lá, deram a ele liberdade para ir conhecendo e analisando todos os relógios da empresa, com todas as suas nuances e complexidades, e com o passar do tempo e das horas ele passou a conhecer de forma profunda o mecanismo de todos eles. E aquele homem simples foi acertando todos os relógios, regulava cada um deles até a precisão de milésimos de segundos e foi pouco a pouco acertando todos. E ele andava anonimamente pelos corredores, falava pouco, sempre atento ao compasso das horas, sempre procurando melhorar e ajustar todos os mecanismos, e desta forma, depois de alguns anos, todos os inúmeros relógios estavam novamente ajustados, a empresa voltou a prosperar, o número de reuniões para resolução de problemas havia sido reduzido drasticamente, os clientes estavam todos muito felizes, tudo funcionava muito bem. E o relojoeiro continuava com o seu trabalho, agora agindo menos, pois todos os mecanismos estavam ajustados, de vez em quando um ajuste aqui, outro ali, agora trabalho leve, porém, sua poderosa mente continha em si o segredo de todas aquelas engrenagens que agora harmonizadas geravam tanto bem estar para todos. E com o tempo, todos passaram a ter a impressão que aquele relojoeiro não era mais necessário, tudo funcionava, e ele poderia então ser dispensado. E assim ocorreu, pediram ao homem para partir, e em seu lugar colocaram alguns jovens e impetuosos profissionais. O relojoeiro partiu com a consciência tranquila, mas ficou triste, é como se cada relógio fosse um filho, ou um amigo, ele sentia muito amor por tudo aquilo. E o tempo voltou a passar, o tempo sempre passa, e com o tempo, novamente os problemas com os relógios voltaram a surgir, os problemas foram novamente se agravando, inúmeros profissionais novamente contratados, muitos milhões foram investidos na troca de todos os relógios, porém, nada era mais como antes, sempre faltava alguma coisa, sempre ocorria uma falha, o descompasso das horas havia voltado, os problemas foram ficando crônicos. E com o tempo, as pessoas mais antigas da empresa começaram a lembrar com uma certa nostalgia de um relojoeiro silencioso que havia andado por ali, e começaram a contar para os mais jovens velhas histórias do velho relojoeiro, de forma que o seu nome virou uma lenda, e todas as vezes que um relógio apresentava algum defeito, alguém sempre perguntava de si para si: Onde andará aquele senhor tão simples e tão calado, que anonimamente consertava tudo? E as pessoas olhavam para os relógios, e coisa interessante, os relógios não mais marcavam as horas, marcavam simplesmente o tempo da saudade daquele Senhor, o Senhor dos relógios.
O tempo... umas vezes a favor outras vezes contra... mas... se até Deus precisou de um tempo para criar e outro para descansar, por quê nostalgia? Sempre existe um tempo certo num certo tempo, cabe a nós distingui-los e aceitar.
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