A Gripe da Alma

Miúda sob o Abacateiro
O tempo foi esfriando e o agricultor contraiu uma gripe. Neste período perdeu o apetite, não conseguia admirar a beleza ao redor, sentia um mal estar constante e sua vida ficou sem gosto e sem graça. Ele sabia que a gripe era um mal que atacava o corpo físico, porém, depois de alguns dias passaria, e ele recobraria novamente a saúde. 

Neste período gripal, ele observou que haviam muitas outras pessoas que não estavam gripadas, porém, ele percebia que elas, apesar de estarem fisicamente saudáveis, também não conseguiam sentir beleza pela vida, estavam muitas vezes aborrecidas e mal humoradas, não sentiam se bem em lugar algum, queriam muitas vezes ficarem assim, digamos, encolhidinhas em um cantinho qualquer, e então, ele concluiu através destas observações que aquilo também era uma espécie de gripe, quem sabe a gripe da alma. 

Depois que sua gripe passou, ele voltou novamente a cuidar de suas plantas, andando, como de costume, pelo mato com seus vira latas; levantava cedo, admirava o amanhecer, o azul do céu, o brilho do sol, a vida, enfim. Porém, mesmo restabelecido, ele continuava a meditar a respeito daqueles gripados espirituais, qual seria a cura afinal, certamente repouso e vitamina C não eram a solução. Sentiu compaixão por todos eles, e no íntimo desejou encontrar a resposta para aquela indagação, ou quem sabe a receita para aquele mal que afligia a tantos, e muitas vezes a ele também. Bem, pensou ele ainda, se a cura estivesse no espaço, os astronautas americanos e russos a teriam encontrado, pois já estiveram por lá, se estivesse nas profundezas do mar, também já teria sido localizada, afinal de contas, o homem consegue com seus formidáveis equipamentos e submarinos realizar explorações a milhares de metros da superfície.

Ainda pensando, veio à sua mente a lembrança dos deuses da mitologia grega, que logo após a criação dos homens, resolveram guardar a felicidade em um local onde certamente eles jamais explorariam: Bem dentro deles mesmos. Certamente, concluiu finalmente o Agricultor, a cura da gripe da alma devia estar lá também, lá onde os homens faziam o possível e o impossível para não irem, lá no íntimo de cada um. Sob o abacateiro a cadelinha Miúda começou a latir, pedindo atenção e carinho do seu dono, estava na hora de parar de filosofar, pegar na enxada e ir cuidar do campo, pensou e riu o Agricultor. 

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