Um Eterno Plantar, Um Eterno Pintar

Pau Cigarra Florido
O agricultor adormece e sonha...
"Ah Vincent Van Gogh, se fosse possível encontrá-lo, seria tão bom! Poderíamos, quem sabe, sairmos por ai contemplando a natureza, formaríamos, talvez, uma boa dupla. Você levaria suas tintas, suas paletas, seus pincéis, e eu, que mal consigo desenhar uma casa ou um homem, ou qualquer coisa, levaria minhas ferramentas de cavar e muitas e muitas sementes nos bolsos. 

Andaríamos pelos campos, eu cavando buracos, preparando a terra, plantando árvores, criando paisagens naturais, e você, amigo e gênio, distante no tempo e no espaço, iria retratando tudo isto, manipulando suas tintas e criando suas telas, com seu extraordinário talento.  Mostraria para você o Pau Cigarra, uma explosão do mais vivo amarelo, a Paineira Rosa, enorme, imponente, com suas flores tão suaves, você certamente chegaria às lágrimas quando, em um campo seco, nos frios meses do inverno, pudesse admirar nos campos os ipês floridos, ipês roxos, amarelos, brancos, rosas, árvores de uma beleza estonteante, creio companheiro, que iria faltar tinta e tela para retratar tanto esplendor, você pintando tudo isto, e eu semeando e semeando, e o tempo passando, e as árvores aparecendo, agora você se depara com as eritrinas floridas, algumas com um rosa claro, outras em um tom mais alaranjado, aquele mesmo laranja lá da Holanda, sua terra natal, que beleza, e vamos ainda caminhando, e aponto para você lá no fundo do vale as quaresmeiras e os manacás em flores, e você olha para mim, e os seus olhos brilham, e suas mãos ágeis vão retratando tudo isto, imortalizando em telas a beleza natural ao seu redor, e olhe que você ainda não viu a imponência dos Jequitibás, a majestade dos Jatobás, a grandeza do Pau Rei, a beleza suave das Aroeiras, as Pitangueiras vermelhinhas, as Jabuticabeiras com seus frutos pretinhos grudados no tronco...  

E depois de você muito pintar, e eu muito plantar, poderíamos sentar sob a sombra de uma figueira para descansarmos um pouco. Conversaríamos calmamente, falaríamos  sobre nosso medo, angústia, indiferença, esperança, beleza, gratidão, alegria, contentamento, tristeza, amores sentidos e não vividos, solidão, sentimentos reprimidos, você poderia tentar dizer-me por que gosta tanto de pintar, e eu tentaria lhe explicar por que gosto tanto de plantar, e olharíamos um para o outro, e sem palavras, apenas com a linguagem que vem do coração, haveria um entendimento mútuo, mudo e profundo da razão do plantar e pintar, e eu, com minha rústica cavadeira de metal levantaria e sairia por ai cavando buracos e semeando, aprendendo a desenhar belas gravuras naturais, e você, com suas tintas, paletas e pincéis, plantando cada paisagem no solo de suas telas, retratando como poucos a beleza da existência, e o sentimento comum que nos une seria tão grande, amigo Van Gogh, que poderíamos passar toda a eternidade em um eterno plantar, em um eterno pintar..."

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