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O Ipê e o Vento

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Ele foi plantado lá em 1997, faria 21 anos em outubro próximo, estava alto, com mais de doze metros de altura, em plena juventude. Para quem chegava na casa da professora, ficava à direita do portão, e invariavelmente e sem palavras, dava as boas vindas ao visitante, e muitas vezes, no final do inverno e início da primavera, oferecia também de suas lindas flores amarelas. Quando o visitante ia embora ele ficava à esquerda do portão, e também sem palavras, - as árvores não falam, - também desejava tudo de bom, algo como assim: Vai com Deus meu amigo, vai com Deus...  Foi muito amado aquele ipê, contam que sua semente foi colhida lá no interior de São Paulo, em uma certa cidade das terras rasgadas, sobre um lindo gramado. Contam também que o ipê lá daquelas terras paulistas era também muito amado e muito belo, e que provavelmente ainda cresce por lá, beirando o muro, próximo à copa frondosa de uma majestosa sibipiruna. E com quase vinte e um anos de idade o ipê contin...

A Última Partida de Dominó

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A fila dos bebês era longa, muito longa, olhando para trás via-se aquela infinidade de crianças vindas de algum ponto muito distante, mal comparando, algo assim como uma dessas esteiras rolantes dos modernos aeroportos, por onde a criançada ia seguindo adiante, e conforme seguiam, muitas delas acenavam... Aquela grande esteira rolante movimentava-se lentamente, conduzindo aqueles meninos todos para um ponto luminoso lá na frente. A grande maioria deles seguia bastante feliz, não entendiam absolutamente nada do que estava acontecendo, simplesmente deixavam-se conduzir, sem a mínima preocupação com nada, onde já se viu bebê ficar preocupado com alguma coisa... Mas como em toda regra existe uma exceção, existia ali naquela fila um menino que não estava se sentindo muito à vontade, ele não conseguia vivenciar tudo aquilo como os demais, estava preocupado com alguma coisa. Era o bebê Duzentos e Quarenta e Nove. - Para onde estão me levando, que fila é esta, de onde eu vim,...

A Pitangueira, o Menino e a Chuva

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No princípio, antes de conhecer todas as outras coisas, o menino já amava as pitangueiras.  Era comum para o menino naqueles dias de sua infância, ao entardecer, dirigir-se a uma grota deserta no sopé de um morro, e lá ficar até ao anoitecer, solitariamente, empoleirado como um passarinho lá no alto daquela pitangueira frondosa e solitária, tão solitária quanto ele mesmo. O menino gostava demais das pitangueiras, saiu um dia então para o quintal, encheu uma garrafa com água, cavou um buraco, e lá dentro, carinhosamente plantou a muda da árvore que ele tanto amava. Com a água da garrafa ele regou a pequenina planta, desejando muito que ela pudesse vingar e crescer. Terminada a tarefa, fechou a tampa da garrafa e foi seguindo o seu caminho em direção à sua casa, rodeado por pitangueiras de outrora e muitas outras árvores também.  O menino, na sua inocência, observou ainda um pingo de água dentro da garrafa fechada. Olhando lá para dentro do vasilhame transparente e ...

A Alegria do Sebastião

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Ainda era Natal, o sol já ia alto no céu, mas apesar do adiantado da hora, o Agricultor precisava ir ao campo. Miúda, Nina e Tição, seus vira latas, o acompanharam como sempre. Pegou então sua velha cavadeira, três mudas no viveiro e seguiu bosque adentro, e bem adiante, em  um local ainda descampado, preparou o solo para o plantio das três árvores.  O Agricultor não dava muita importância para aquela data, mas percebia que havia ali naquele período do ano alguma magia, algo além do que ele poderia compreender, existia alguma coisa... Lembrou-se dos anos da infância e do seu pai, o caminhoneiro solitário, que quando estava em casa para as festas de final de ano irradiava alegria, contagiando  todos aqueles que estavam ao seu redor. Então, enquanto plantava, sentiu em si aquela mesma alegria, a alegria do Sebastião, e era tão grande a alegria que não cabia mais nele, e então, tal como o caminhoneiro naqueles dias distantes, a alegria começou  a jorrar de seu ...

A Visita do Agricultor Urbano

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Dezembro já ia avançado, e como a vida, como o tempo e como o vento, estava também em constante movimento, bem próximo de janeiro. Naquele dia, uma brisa constante vinha da enseada, refrescando todo o entorno. O Agricultor Urbano estava por ali, pelas ruas de Botafogo, no Rio de Janeiro, resolveu então fazer uma visita ao Moço das Letras, seu grande amigo, que residia pelas proximidades. Chegou na vila, passou pela entrada principal, seguiu adiante,  na casa abriu o portão e entrou devagarinho, sem anunciar, ele era sempre muito bem vindo, sua amizade com o Moço dispensava cerimônias. Na sala avistou o amigo sentado em uma cadeira, e sobre a mesa uma folha de papel e uma caneta. O Moço das Letras estava cochilando, possivelmente estava cansado, o Agricultor observou a folha, estava em branco ainda, sentou-se então, de mansinho, tirou o seu chapéu, pegou a caneta e começou a escrever sobre a folha... "Seja como uma semente que no interior do solo confia plenamente na vid...

O Homem que Construía Pontes

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Saio de casa, coloco a máscara e falo para o mundo. Falo do céu, falo do sol, falo da vida e da morte, falo sobre os outros, falo sobre tudo, falo com eloquência, encanto as multidões... Volto para casa, tiro a máscara e calo. A angustia corrói o meu coração, sinto-me tão frágil, falei tanto dos outros e para os outros, simplesmente para não falar nada a meu respeito, simplesmente para me esconder, simplesmente para fugir, fugir de mim. Lá no fundo do meu coração, em um dos cantos, meu orgulho, velho e conhecido amigo, ou inimigo, talvez, sobre um pedestal mais uma vez ri de mim,  mais uma vez ele representou tão bem o seu papel, no outro canto, no entanto,  o poder divino que habita em mim sorri para nós um sorriso de amor, um sorriso da mais profunda tolerância. Saio de casa sem a máscara e falo para o mundo. Falo sobre meus medos, minhas misérias e anseios, falo sobre uma  viagem para dentro de mim, falo sobre minha humanidade, sobre a esperança que habi...

O Homem na Bolha

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Um dia, lá pela metade de sua vida, um homem descobriu que vivia dentro de uma bolha,  onde todas as emoções eram filtradas, onde nada entrava sem passar pelos filtros  emocionais elaborados pela sua poderosa mente. Aquela bolha foi construída inconscientemente com o objetivo de protegê-lo de todos  os sentimentos desagradáveis que vinham do mundo exterior, sentimentos que existiam somente nos outros, não nele que era perfeito e frágil, um enviado dos céus, e obviamente não desejava misturar-se com os demais. Então, para proteger-se daqueles seres tão infernais, os outros humanos, construiu e passou a viver na sua confortável bolha emocional, passou a viver na sua poderosa fortaleza.  A bolha era quentinha, cheia de livros, solitária e agradável, visível e palpável somente para ele, nenhum outro mortal conseguia percebê-la, era algo profundamente pessoal, um mundo somente dele, como um útero materno que ainda o abrigava depois dos nove meses. ...