O Homem que Plantava e o Homem que Calculava

O homem que calculava passou pelo pasto infestado de capim, avistando ao longe, no alto de um morro, uma mancha verde repleta de árvores, um verdadeiro contraste. Como ele gostava muito de fazer cálculos, resolveu ir até aquele local a fim de tentar descobrir quantas árvores haviam por lá, "creio que existam milhares", pensou ele enquanto subia lentamente o morro.

Logo ao sair do pasto e adentrar o bosque ele sentiu um grande bem estar, pois temperatura sob a sombra das árvores era bem mais amena. Percebeu que o número de árvores era muito grande e que seria muito difícil contá-las; seguiu adiante mata adentro e morro acima, sua ideia era chegar a um local bem alto onde teria uma visão geral da área, e desta forma poderia calcular o número aproximado de árvores ali existentes.

Conforme andava, o homem que calculava percebeu que as árvores iam ficando cada vez menores, "coisa estranha", pensou ele, até encontrar árvores bem pequenas que disputavam a luz do sol com o capim, "creio que cheguei ao final da mata fechada", pensou ele mais uma vez — o homem que calculava pensava muito —, e foi neste momento que ele avistou, um pouco mais além, um solitário homem com uma cavadeira na mão acompanhado por um cachorro.

— Bom dia senhor  falou o homem que calculava  notando que o homem solitário carregava uma pequena muda de árvore na sua mão.

— Bom dia  respondeu o homem que plantava as árvores.

— Pelo visto o senhor vai plantar uma árvore aqui neste pasto.

— Sim... vou plantar mais uma hoje; planto uma árvore neste pasto todos os dias.

"Será que este homem acha que plantando apenas uma árvore por dia vai conseguir ampliar a exuberante mata por onde passei? Seria humanamente impossível superar a força da natureza", pensou o homem que calculava mais uma vez.

— Há quanto tempo o senhor diariamente planta uma árvore aqui?  perguntou o homem que calculava por pura curiosidade.

— Há Mais ou menos 30 anos senhor — respondeu o homem que plantava as árvores.

— Todos os dias?

— Sim... todos os dias! Quando deixo de vir por um ou mais dias, compenso nos dias seguintes plantando as árvores que não plantei nos dias anteriores.

O homem que calculava já estava virando as costas para subir mais um pouquinho o morro, então num lampejo de segundo sua mente se iluminou, "isto não é possível", pensou ele enquanto fazia mais uma pergunta para o o homem que plantava as árvores...

— Senhor... neste período todo, a maioria de suas árvores vingaram?

— Sim... a grande maioria, respondeu o homem que plantava as árvores.

Neste instante a brilhante mente do homem que calculava obviamente calculou que haviam aproximadamente onze mil dias em trinta anos, onze mil dias, onze mil árvores, ali estava o X da sua questão... Como bom matemático que era, resolveu então tirar a prova dos noves e provar a sua tese.

— Senhor, mais uma pergunta, por gentileza... Por onde você começou a plantar as árvores?

— Comecei na parte mais baixa do morro, e paulatinamente fui subindo até chegar onde você me encontrou.

Aquilo fazia todo o sentido, agora o homem que calculava compreendia finalmente o porquê das árvores irem diminuindo de tamanho conforme ele subia o morro.

— Senhor... fiz aqui alguns cálculos mentais, chegando a conclusão que devem crescer por aqui aproximadamente onze mil árvores!

— Nunca contei, mas creio que existam muito mais  respondeu o homem que plantava as árvores.

— Como assim? Fiz um cálculo exato.

— Bem... algumas árvores morreram, outras vingaram, cresceram e produziram sementes que foram dispersadas pelos ventos, pássaros e pequenos animais, e muitas destas sementes germinaram, aumentando de forma expressiva o número das árvores aqui existentes. Ainda uma outra coisa, existem aqui muitas árvores que eu não plantei, árvores que eu nem conheço, árvores que foram trazidas por estas mesmas expressões da natureza de outros lugares para cá. A natureza não é uma ciência exata senhor!

Terminada a conversa, o homem que calculava se despediu do homem que plantava as árvores, retornando para o conforto de sua casa e de seus cálculos mentais; nos anos que se seguiram o homem que calculava ficou pensando, pensando, pensando em tudo aquilo — havia uma floresta em sua mente —, e enquanto ele pensava, o homem que plantava as árvores continuava diariamente plantando, plantando, plantando tudo aquilo — havia uma floresta em seu coração transportada cotidianamente para o solo onde pisavam suas velhas botas.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Agricultor e a Poetisa Ferida

O Marido, a Mulher, o Rio e a Calça

A Finitude das Redes e a Infinitude do Mar