A Finitude das Redes e a Infinitude do Mar

Era uma luminosa manhã de outono; o Agricultor Urbano e sua fiel vira-lata Golila — é este mesmo o nome dela — estavam plantando árvores nas margens da via pública; já eram quase onze horas, o Agricultor estava encerrando suas atividades, quando surgiu por ali um anônimo e sorridente Jovem com um celular na mão.

— Bom dia Agricultor, como tem passado?

— Tudo bem Jovem, "A seara é grande, mas os trabalhadores são poucos - Mateus 9:37", conto somente com as sementes, com Deus e com a ajuda de minha fiel vira-lata para plantar as árvores neste campo público, degradado e abandonado pela população, que muitas vezes faz dele um depósito de lixo.

— Agricultor, você está gastando muito de sua energia desnecessariamente, saiba que, hoje em dia com o progresso da internet é possível para qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, plantar milhares e milhares de árvores com apenas um simples toque na tela de um celular. Você ainda não conhece as maravilhas das redes sociais?

— Creio que não — respondeu o Agricultor.

— Vou mostrar para você como funciona, aproxime-se por gentileza.

O Agricultor largou sua enxada e chegou perto do Jovem, enquanto a vira-lata Golila ficava ao seu lado sentada e observando tudo caladamente.

— Agricultor, vamos começar, fale para mim uma frase qualquer sobre o plantio das suas árvores, fale que escreverei aqui no celular.

— O Agricultor falou e o Jovem escreveu "Nos últimos vinte e cinco anos o Agricultor Urbano plantou milhares de árvores". Alguns segundos depois o Jovem exibiu orgulhosamente a tela do celular para o Agricultor Urbano.

— Olhe o poder das redes sociais Agricultor, esta simples frase gerou milhares de comentários e elogios sem fim. Se você souber utilizar a poderosa energia que vem desta rede, poderá realizar no mundo e sem grandes esforços desnecessários uma grande revolução verde, gostaria de tentar com uma outra frase?

— Escreva aí Jovem: "Ao longo deste ano o Agricultor Urbano pretende reflorestar todo este pasto público há muito tempo degradado pela ação humana!".

— O Jovem digitou o texto e em seguida chegaram os comentários, alguns até mesmo em inglês, espanhol, alemão e francês, muitos e muitos milhares de comentários.

— Convencido agora do poder da tecnologia Agricultor?

— Ainda não; escreva agora: "O Agricultor levantará sempre bem cedo todos os dias, pegará suas rústicas ferramentas, e na companhia de sua vira-lata seguirá tranquilamente para o campo a fim de realizar o seu trabalho, sem esperar absolutamente nada em troca, sem receber nada por isto, agindo sempre no mais profundo anonimato".

Postada a frase, os comentários e curtidas passaram a chegar em dezenas de idiomas de diversos lugares do mundo, numa quantidade quase incontável, a ponto de quase esgotar a memória do celular.

— Percebeu finalmente o poder das redes Agricultor? — questionou o Jovem com um largo sorriso de satisfação no rosto.

— Jovem, um milésimo de segundo pode decidir um jogo de basquete, escreva a última frase: "O Agricultor agradece todo o enorme apoio e conta com a presença de cada um de vocês a partir do dia de amanhã, sempre neste mesmo campo cujas coordenadas do GPS passarei em seguida, e para aqueles que não puderem comparecer, solicito que plantem incansavelmente e por longos anos árvores nas cidades onde vivem!".

O jovem postou e segundos depois o silêncio se fez.

— Quantas comentários meu jovem? — questionou o Agricultor Urbano.

— Quase nada Agricultor, alguns poucos relataram que estão sempre muito ocupados em suas tarefas diárias, mas a grande maioria simplesmente não comentou nada.

— E curtidas, quantas curtidas?

— Sinto muito Agricultor, absolutamente nenhuma curtida — falou o Jovem um pouco decepcionado.

— Está tudo bem Jovem, você perceberá no seu próprio tempo que a força que move o mundo não está presa em uma rede social, mas tão somente dentro do livre coração de cada pessoa no mundo real.

Retomando seu solitário trabalho, o Agricultor pegou novamente sua enxada, Golila voltou a correr alegremente pelo campo, e o Jovem afastando-se um pouco decepcionado ainda fez uma última pergunta...

— Agricultor, de onde vem esta abundância de árvores que você semeia por aí? — ouvindo em seguida a voz do Agricultor chegando até ele levada pelos serenos ventos outonais...

— Sou como aquele pescador, aquele que sai todos os dias bem cedo lançando suas redes, e no final da tarde com o coração cheio de gratidão, ele intuitivamente sabe que a abundância de sua pesca não está na finitude de suas externas redes, mas na infinitude do seu interno mar.

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

O Marido, a Mulher, o Rio e a Calça

O Agricultor e a Poetisa Ferida