Meu Irmão, o Minotauro
Por muitos anos vivi no escuro, triste e fundo poço da depressão. Este estado de espírito era tão profundo em mim, que não consigo definir exatamente quando ele começou. Nas minhas lembranças mais remotas a depressão já estava lá. Teria começado quando respirei pela primeira vez? Faz parte de minha humana natureza? Sinceramente não sei dizer. Então, por muito e muitos anos eu fui o homem do fundo do poço, do fundo do poço da depressão.
No poço da depressão eu experimentava muitos sentimentos, entre outros: Amargura, raiva, ressentimento, indiferença, falta de fé, falta de esperança, falta de Deus, isolamento total, rejeição... No fundo do poço da depressão sentia um eterno sentimento de cansaço físico e mental, e tinha a impressão de que haviam pesadas correntes atadas aos meus pés. Outro sentimento doloroso que eu sentia no fundo do poço da depressão, era a terrível impressão de que aquilo era um inferno sem fim, e por mais que fosse o meu esforço, eu jamais conseguiria achar a saída.
Com o passar dos anos e com a descoberta e a prática do Programa de 12 Passos, o sentimento de depressão foi aos poucos diminuindo e, a cada dia, eu sentia claramente que a luz pouco a pouco começava finalmente a visitar o meu escuro poço — a liberdade estava finalmente chegando. Contente da vida com o meu progresso, pensava eu que naquele ritmo, em pouco tempo eu estaria finalmente livre e fora do poço escuro, isolado e desesperador. Seria o final feliz do homem da caverna, seria a maravilhosa redenção do homem do fundo do poço da depressão — Glória a Deus nas alturas.
Continuei mergulhado no programa de 12 Passos, a depressão foi pouco a pouco desaparecendo, mas não a sensação do poço escuro, pois — coisa mais estranha — quanto mais eu praticava a programação, libertando paulatinamente o homem do poço depressivo, mais e mais descortinava-se aos meus olhos a figura de uma criança sofrida e soterrada dentro de pesados escombros dentro de mim. Nesta fase da minha vida descobri os 12 Passos de CoDA, e então, paulatinamente descobri que o homem do poço da depressão não estava mais lá, ele havia caminhado, caminhado muito, e ao sair do seu poço tão escuro, não foi a luz e a liberdade que ele encontrou, encontrou, para seu imenso pesar, um outro poço, o poço da codependência, tão escuro e sofrido quanto o anterior, onde vivia não um homem solitário, mas uma criança sofrida e reprimida. Neste momento constatei estarrecido que havia um outro poço dentro de mim, ou estaria eu vivendo em um labirinto, tendo voltado para o mesmo poço? — Só mesmo o Poder Superior na causa.
No poço da depressão, um homem solitário acorrentado a si mesmo, e a solidão é o seu demônio.
No poço da codependência, uma criança rodeada e acorrentada a outras pessoas, e estas correntes e pessoas são os seus demônios.
No poço da depressão, um homem revoltado, com uma mente profundamente ativa, que a cada milionésimo de segundo, como uma demoníaca metralhadora, povoa seu deserto de viver e sofrer com trilhões de pensamentos negativos e infernais; um homem desejando esquecer.
No poço da codependência, uma criança desejando expressar suas emoções, desejando sentir, desejando estar, desejando ser.
No poço da depressão, um homem neurotizado, totalmente preso nas correntes de suas emoções em desalinho.
No poço da codependência, uma criança carente presa nas correntes do vazio, nas correntes dos outros, nas correntes do medo e da angústia;
Um poço, dois poços ou um labirinto? Um homem inseguro e infeliz, ou uma criança reprimida e com medo? Ou nada disso, e seria eu tão somente o Minotauro mitológico, meio homem e meio touro, preso pelo rei Minos em um labirinto em uma ilha?
Seria eu o pobre Minotauro preso em um labirinto, onde, por mais esforço que faça, jamais encontra a saída?
Seria eu o infeliz Minotauro preso em um labirinto, onde o rei que o despreza e o aprisiona jamais o visita?
Seria eu o Minotauro tão carente do amor da rainha, sua mãe?
Seria eu o Minotauro aprisionado nos subterrâneos do labirinto do castelo, tão próximo e ao mesmo tempo tão distante do rei e da rainha, que vivem mergulhados nas suas próprias codependentes culpas?
Seria eu o Minotauro? Meio homem e meio touro, meio neurótico e meio codependente; meio homem e meio criança, meio poço e meio labirinto; meio ilha e meio continente, meio guerra e meio paz; meio luz e meio treva, meio pai e meio filho; meio razão e meio sentimento, meio aceno e meio abraço; meio ódio e meio amor, meio homem e meio deus. Ah mitológico Minotauro grego... Conheço a sua dor:
Tu, no labirinto da ilha, um prisioneiro devorador de homens; eu no poço da codependência, um prisioneiro devorado pelas minhas codependentes emoções.
Tu, no labirinto da ilha, aprisionado por um rei cheio de sentimentos de culpa, por ter traído a confiança do deus dos mares; eu no poço da codependência, aprisionado em minhas loucas, irracionais e insanas culpas, tão distante do meu Poder Superior.
Tu, no labirinto da ilha, amedrontado às reais pessoas que o perseguiam; eu no poço da codepêndencia, amedrontado pelas ilusórias pessoas que me perseguem.
Sinto-me mais próximo de ti Minotauro do labirinto, conheço profundamente a sua dor, e no seu mito, segundo o meu coração, o herói é você Minotauro irmão, e não Teseu, o grande herói grego que ceifou a sua vida com os golpes de uma fria espada.
Maravilhoso! Só por hoje eu sou a pessoa mais importante da minha vida.
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