Décimo Segundo Passo
Depois de muitas 24 horas nas Salas de 12 Passos, depois de mais de cinquenta anos no poço escuro de minha depressão, estava finalmente na hora de sair — não das salas, mas do poço. Paulatinamente eu percebia que aquilo estava prestes a acontecer, dia a dia eu sentia intuitivamente que finalmente daria passos em outras direções — no poço somente andava em círculos, criando profundos sulcos de amargura e desolação.
Minhas duas malas já estavam prontas; todas as demais, as pesadas malas das minhas insanas e egoístas ilusões estavam ficando lá, ou seja, estava indo embora carregando somente as malas da esperança e liberdade. O poço sempre foi escuro, tudo o que eu sofri e vivi no poço foi feito no escuro, no poço eu não conseguia enxergar absolutamente nada — o orgulho e o egoísmo são cegos, o amor porém, enxerga muito bem.
Peguei minhas duas malas, e tateando no escuro caminhei para a porta de saída do poço; intuitivamente eu sabia onde ela se encontrava. Estava a poucos passos de abandonar aquele miserável desterro de dor, sofrimento, lágrimas e ranger de dentes, a poucos passos de abandonar aquele solitário e árido deserto de viver — como na canção popular: Estou a dois passos do paraíso.
Peguei minhas duas malas, e tateando no escuro caminhei para a porta de saída do poço; intuitivamente eu sabia onde ela se encontrava. Estava a poucos passos de abandonar aquele miserável desterro de dor, sofrimento, lágrimas e ranger de dentes, a poucos passos de abandonar aquele solitário e árido deserto de viver — como na canção popular: Estou a dois passos do paraíso.
Finalmente chegando à porta, deparei-me com um interruptor lá bem pertinho da maçaneta; nunca o havia notado antes. Eu já havia tentado abrir aquela porta milhares de vezes, mas ela estava sempre trancada, mas agora eu finalmente havia descoberto o grande segredo: A Chave estava perdida dentro de mim, e eu tinha agora a chave nas mãos — dar-te-ei as chaves do reino dos céus (Mateus 16:19).
Antes de abrir a porta para finalmente sair, resolvi acender a luz — o primeiro que sair acenda a luz —, e finalmente ter uma visão geral e iluminada de todo aquele meu imenso e solitário casulo de dor e escuridão sem fim — seria somente uma visão final, uma visão de despedida, um bye, bye fundo de poço.
"Não basta inda de dor, ó Deus terrível?! É pois teu peito eterno, inexaurível De vingança e rancor? E que é que fiz, Senhor? que torpe crime Eu cometi jamais, que assim me oprime Teu gladio vingador? — poeta Castro Alves“. Os versos do poeta retratam a minha dor: Ao acender a luz do poço eu percebi a dimensão do meu egoísmo; ao acender a luz do poço eu vi que não estava só, e que muitos e muitos outros sofriam a mesma dor que eu; ao acender a luz do poço eu percebi que para os outros eu era um mudo, um cego e um surdo; ao acender a luz do poço eu vi pessoas muito próximas e queridas tão feridas e acorrentadas ao sofrimento quanto eu; ao acender a luz do poço uma réstia de luz finalmente penetrou no imenso mar de trevas de meu egoísmo, e então eu descobri o que era o amor, e ali na porta do poço, tão próximo de minha ilusória e infantil liberdade, tocado pela minha dor, tocado sobretudo pela dor de pessoas tão ligadas a mim, eu sentei e chorei.
A porta do poço está aberta agora. De vez em quando eu entro lá, pois agora percebo que é um poço comum e solidário, e não mais um poço solitário. Por que volto e por que entro? Entro por mim mesmo e por todos os demais;
entro pela gratidão de ter encontrado um dia, uma pequenina chama de luz e esperança em minha vida — o Programa de 12 Passos;
entro porque finalmente aprendi que é mesmo impossível para mim ser feliz sozinho, e que o melhor mesmo é crescer e partilhar junto;
entro porque sei o quanto dói vagar sem esperanças pelas tenebrosas trevas e profundos abismos do meu egoísmo;
entro, pois minha angústia, que de tão grande, quando em contato com a angústia do outro, gera uma chama radiante — um atrito de luz, paz, amor e aconchego —, que vai aos poucos curando minhas emocionais feridas — a sinceridade é um bálsamo;
entro, pois minha angústia, que de tão grande, quando em contato com a angústia do outro, gera uma chama radiante — um atrito de luz, paz, amor e aconchego —, que vai aos poucos curando minhas emocionais feridas — a sinceridade é um bálsamo;
entro para despertar para a realidade, adormecer para as fantasias mentais e simplesmente viver o aqui e o agora;
entro para praticar com alegria o Décimo Segundo Passo das irmandades de Anônimos: "Tendo experimentado um despertar espiritual, graças a estes passos, procuramos transmitir esta mensagem e praticar estes princípios em todas as nossas atividades".
Alguém poderia estar perguntando a esta altura: "Como você consegue entrar de volta no seu humano poço e no humano poço dos demais?" Entro pela porta de entrada das Salas de 12 Passos. Entro por mim e pela minha dor; entro por ti e pela tua dor.
Comentários
Postar um comentário