O Buraco da Agulha
As mãos das costureira estavam trêmulas, o que era bastante incomum, e com dificuldade ela conseguia inserir a linha no buraco da agulha. Ela andava muito preocupada ultimamente, seu menino, o último da prole, ia todos os dias para a escola, porém, depois de poucas horas retornava, dizendo para a mãe que naquele dia não haveria aula.
- O que houve meu filho?
- Mãe, hoje estão em greve, não sei o porquê.
No dia seguinte o menino ia novamente ao grupo escolar, e voltava ainda pela manhã, deixando sua mãe no mais profundo estado de preocupação.
- O que aconteceu menino, você não deveria estar lá na escola?
- Mãe, entrei na sala com os meus colegas, e depois de algum tempo fomos todos dispensados, não sei o que está ocorrendo, parece algo relacionado a alguma verba que não chegou ainda...
Aquela história foi se repetindo dia após dia, e depois de um mês, já era abril, a costureira resolveu tomar uma atitude, definitivamente ela já não conseguia mesmo inserir a linha no buraco da agulha. Naquele dia ela fechou a máquina, foi ao quintal, acendeu uma vela para as almas, fez suas orações e seus pedidos, e dirigiu-se a escola onde estudava o menino.
O grupo escolar era amplo e arejado, tudo muito bem construído, o sol entrava pelos corredores e pelas salas, um construção de primeira qualidade, fruto do planejamento e trabalho dos norte americanos que haviam passado por ali no passado. A costureira foi recebida na escola pela diretora em um sala muito grande, e lá conversou com ela sobre sua ansiedade em relação ao filho. A responsável pela direção, de uma maneira formal e distante, falou que aquilo era uma fase, problemas lá na capital do estado, questões administrativas e políticas, e que brevemente tudo voltaria novamente ao normal.
A costureira despediu-se então e saindo do grupo notou algo curioso: eram quase onze horas da manhã, o pátio da escola estava vazio, bem como vazia estavam todas as salas, e como nos últimos dias as crianças haviam novamente voltado para suas casas, com seus cadernos também vazios, tão vazios quanto aquela escola.
No mesmo dia, resoluta, visitou um grupo escolar próximo à sua casa, já havia ouvido falar dele através de seus vizinhos, e descobriu por si mesma que a escola era muito simples, e que havia ainda uma parte dela em construção. Naquela tarde a costureira conversou com a diretora, uma pessoa de olhar vivo e agradável, viu por lá inúmeros alunos correndo pelos pátios e corredores, sentiu ali a vida fluindo, havia naquele local algo que aquecia o seu coração.
Foi então apresentada à professora responsável pela turma da série de seu filho, e esta a levou a um barraco de madeira preta próximo, onde seus alunos temporariamente estudavam, na beira de um córrego, até que as obras do grupo escolar estivessem definitivamente findadas.
A costureira gostou da professora, gostou da escola, gostou do barraco, gostou da sala cheia de crianças e vida, gostou da simplicidade e dos cadernos cheios de lições, e então, sem titubear, tirou o seu filho da escola bonita e vazia, onde não entrava a luz do saber, e o matriculou ali naquele local simples, naquele barracão, onde os livros eram abertos todos os dias, com regularidade e disciplina.
Passados muitos anos, já em idade avançada, quando ainda acendia suas velas nas segundas-feiras para as almas, a costureira sempre agradecia por aquela escola, por aqueles professores, por aquele barraco simples, agradecia enfim, por aquele local onde as crianças recebiam um boa educação, e nestas horas sentia um pesar por aqueles outros alunos que haviam ficado naquela escola tão bonita, com salas tão grandes e arejadas, onde os livros porém, por um sem número de razões, raramente eram abertos, escola onde a única luz presente era a do sol.
Naquele dia distante, próxima ao riacho e ao barraco, a costureira havia, sem o saber, norteado uma estrada segura para o futuro de seu filho, e desde então, a linha voltou a passar normalmente pelo buraco da agulha, e a terra continuou naturalmente, girando em torno do sol.
Muito especial a costureira e mãe, a escola viva e o bom aluno! Obrigada, uma história linda e rica em reflexão!
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