O Aviador e a Normalista
Paulo possuía em si o espírito da aventura, era um homem avançado para o seu tempo, e lá pelos anos cinquenta já pilotava avião e fazia contato com várias pessoas ao redor do mundo através do radioamadorismo. E naquele dia distante, dia armazenado nos escaninhos do tempo, dia ensolarado, talvez, Paulo sobe em seu teco teco e parte em direção ao planalto, deixando para trás a costa e a planície, voando para o sul de Minas Gerais, lá pelas bandas da Serra da Mantiqueira. Naquela região as festas religiosas, festas de aniversário das cidades, festas dos padroeiros, festas..., eram muito tradicionais, havia sempre muita música, comida de boa qualidade, boas conversas, moças bonitas, havia mesmo a boa e inigualável forma mineira de passar o tempo, de passar o dia, de passar a vida. Depois de algum tempo de voo, sobrevoa Pouso Alegre, segue mais além, e então finalmente pousa o seu avião na cidade de São Gonçalo do Sapucaí, outrora tão rica em ouro, como tantos outros municípios das Minas Gerais. E chegando, vai pouco a pouco conhecendo o lugar, os hábitos locais, as pessoas, os costumes, vai descobrindo ali aquele jeito tão mineiro e receptivo de ser e viver, tudo com muita simplicidade e naturalidade. E lá vai o aviador, uma conversa aqui, um aperitivo ali, conta um caso, ouve outro, o dia vai passando, a tarde vem chegando, a noite cai, a vida agora é uma grande festa, todos alegres e felizes, as luzes, a praça, as moças tão mineiras, tão bonitas, e então... Então Paulo avista aquela jovem tão clara, de olhos mais claros ainda, um primor de leveza e elegância, tão bem vestida, tão bela, e agora, sem saber a razão, seu coração dispara, o giro de seu sangue pelas veias chega mesmo a ser maior que o giro do motor do avião, no meio daquele mundão mineiro, com tantas jovens bonitas, aquela era a mais encantadora, cheia de jovialidade e graça, e desde aquele instante aquela moça passou a ser especial ao seu coração, e feliz e fascinado ficou Paulo com a visão, a visão da moça das Minas Gerais. E no meio do povo, no meio da festa, no meio do mundo, no meio de Minas, Paulo fixa o seu olhar, procurando o olhar dela, que em determinado momento também olha para ele, e então a ponte foi estabelecida, ponte entre dois corações, houve aproximação e diálogo, e agora o aviador Paulo conhecia a normalista Isabel, que também passara a conhecer aquele jovem aventureiro, que havia como um príncipe descido do céu, no meio dos pastos, no meio dos cafezais, no meio dos queijos, no meio de tudo, aquele carioca aviador. Talvez, não se sabe ao certo, naquele primeiro encontro tenham falado um pouco de suas vidas, dado muitas voltas pelo coreto da praça da matriz, comido juntos maçãs do amor... O que se sabe é que, dias depois, Paulo embarcou novamente no seu avião, de volta para sua casa, com a promessa de voltar outras vezes, de avião, de trem, de lombo de burro, ou mesmo a pé, afinal de contas, pelas métricas do amor, a distância do Rio de Janeiro à Pouso Alegre era muito curta, menor que o tempo de uma saudade. E agora na carlinga do teco teco, Paulo pilotava, porém quem voava não era mais o avião, quem voava era Paulo, ou melhor, sonhava acordado nas alturas com sua linda Isabel, sonhava com os dias futuros, sonhava com a casa, com os filhos que teria, sonhava e voava, voava muito alto, voava leve e solto, voava com o mais profundo espírito de liberdade, voava mesmo como todos os pássaros do céu. E pouco tempo depois, já anoitecendo, Paulo vai avistando o litoral, vai chegando ao Rio, e acima da cidade, acima da Baia de Guanabara, acima de tudo, bem acima mesmo, percebe o brilho de inúmeras estrelas, e estas brilhavam como nunca, e uma delas brilhava mais do que todas as outras, era a estrela D'alva, ou estrela Vésper, porém, mais ainda do que esta brilhava uma outra, era a estrela Isabel, a estrela mais brilhante de toda a constelação, a estrela das Minas Gerais, a estrela do seu coração. Pouco a pouco Paulo vai diminuindo a altitude, até pousar mansamente na pista de pouso, um Pouso Alegre, um pouso feliz.
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