José Arantes, O Eletricista Iluminado

A Terra é Azul
O Homem toca no interruptor na casa de seu pai, e a luz acende, que beleza. E então ele recorda que cada fio condutor de eletricidade daquela casa passou pelas mãos de seu tio, um certo José Arantes, um grande eletricista... E sua memória então viaja para Barra Mansa, a cidade vizinha, no Sul do Estado do Rio de Janeiro, e ele agora é um menino que passa por uma ponte em arcos que cruza um grande rio de águas límpidas, cheio de pescadores debruçados sobre sua murada, lançando suas varas em busca de seus peixes, e continua seguindo, seguindo, até chegar na Rua da Imprensa. E naquele dia de domingo na casa de seu tio, construída sob uma grande encosta, ele aprendeu com o eletricista que a lua girava em torno da terra, e este giro durava vinte e sete dias, e que a terra girava em torno de si mesma, e este giro durava um dia, e que ao mesmo tempo em que girava, também viajava pelo espaço, contornando o sol, e esta viagem espacial durava um ano, e descobriu também que a terra vista do espaço era azul. E ainda aprendeu sobre a influência da lua nas marés, e viu mesmo através de sua luneta as estrelas que habitavam o céu, e também ouviu de seu violino e conheceu o seu piano. E José então falou para ele baixinho, pois na época era proibido falar destas coisas, sobre uma revolução distante, onde o povo havia assumido o poder, falou sobre igualdade social, falou sobre a Rússia,  e os imensos campos de  girassóis que haviam por lá. E naquele inesquecível domingo o menino viu pela primeira vez o Globo Terrestre, uma grande esfera azul cheia de lugares, rios, mares, lagos, montanhas, estreitos, florestas e oceanos, viu também muitos livros, e então descobriu para todo o sempre que amava a geografia e que os livros eram como seres mágicos que podiam transportá-lo para inúmeros locais. Passados tantos anos o menino, agora homem, percebe em seu coração que o seu tio, que possuía somente a instrução fundamental era mesmo um mestre, um grande autodidata, que como muitos de sua geração não tiveram a oportunidade de aprofundar-se nos estudos, mas mesmo assim, em um ato de abnegação e heroísmo pessoal, legou a educação que não pode receber para seus filhos. De volta ao presente, o homem apaga a luz da casa do pai e sai, porém o menino insiste em voltar, e voltando olha para o céu e percebe nele estrelas brilhantes e iluminadas, uma perfeição. Quem sabe, pensa ele, seu tio não esteja agora lá por aquelas estrelas, ajustando os seus fios, provendo a luz do seu saber pela escuridão do cosmos, luz que brilha radiante, iluminando a todos. E ainda olhando para o céu, cheio de espírito de gratidão, o menino percebeu com encanto que sempre havia amado aquele tio, um certo José Arantes, um eletricista iluminado que viveu em uma Rua cheia de conhecimento, a Rua  da Imprensa.

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