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A Criança, a Angústia e o Canto dos Pássaros

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  Acordava e não ouvia nada, como num deserto; instantes depois chegava a visita indesejada. Todos os dias bem cedinho a angústia me visita; ela sempre vem mergulhada no silêncio da manhã, invariavelmente acompanhada por um cachorrinho vira-lata. No princípio brigava com ela e pedia para que se retirasse, não gostava nem um pouco da sua presença, mas agora não brigo mais, pois agora finalmente compreendo a sua dor. Quando olho para os olhos dela vejo a cena, como num filme, e sinto sua profunda tristeza quando a carreta vermelha desaparece na curva no final da rua, deixando em seu coração apenas um rastro de profunda saudade; é neste momento que ela com os olhos cheios de lágrimas  — minha angústia chora  —  mais afaga o seu cachorrinho, transformando-se simplesmente numa criança que eu carinhosamente acolho, pegando em suas mãos e indo com ela em direção aos fundos da casa. "Venha comigo criança, venha comigo... você chega sempre muito silenciosamente pelas manhãs, ...

O Agricultor e as Bolotas Solares

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Era abril, princípio de outono; o Agricultor Urbano levantou cedo e foi para o campo. No caminho foi abordado por seu velho conhecido, o Fulano. — Bom dia Agricultor. — Bom dia Fulano. — Onde vai tão cedo? — Vou para o campo colher a luz do sol. Fulano não falou nada e seguiu adiante; "onde já se viu colher luz do sol, onde já se viu?" pensou solitariamente seguindo seu rumo.  Ao longo daquele dia o Agricultor carpiu o capim que crescia paralelamente à cerca, juntando posteriormente tudo em pequenos montes.  No dia seguinte novamente Fulano encontrou o Agricultor na sua lida no campo. — Como vai Agricultor? — Vou bem, obrigado. — O que faz ai tão cedo e com tanto entusiasmo? — Estou amontoando a luz do sol que colhi ontem. Como no dia anterior, Fulano nada comentou e seguiu adiante pensando "ele não deve estar muito bem das faculdades mentais, ao longo de minha vida nunca vi ninguém amontoar a luz do sol".  Depois do capim carpido e amontoado e o sol já se pondo n...

O Agricultor, Seu Velho Ego e a Mariola

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Ainda não eram cinco horas da manhã, estava escuro ainda, contudo o Agricultor já estava de pé. Tomou o seu café, encheu sua garrafa com água da fonte, pegou um tablete de mariola (*)  e caminhou em direção ao seu campo; o período seco estava chegando e era necessário fazer um aceiro ao longo de toda a cerca, a fim de evitar as desastrosas queimadas de inverno na plantação — alguns inconsequentes incendiários faziam das maravilhas que brotam do chão um verdadeiro cemitério de carvão. O campo ficava do lado leste de sua casa, para onde caminhou com suas velhas botas; chegou lá junto com os primeiros raios do sol da manhã que surgiam na linha do horizonte, vindos de um distante leste onde seus pés jamais pisariam um dia. Pouco tempo depois seu corpo e sua alma já estavam aquecidos com o movimento constante e vigoroso da enxada sobre o africano capim braquiária. Três horas mais tarde, já bastante suado e cansado pelo esforço contínuo, resolveu fazer uma pausa para beber um pouco d'águ...

O Agricultor, Seu Velho Ego e o Cacho de Bananas

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O Agricultor Urbano amava o mês de abril. Acordou cedo, pegou sua querida enxada e seguiu para o campo a fim de cuidar de suas plantas e tomar um bom banho de sol. Seu velho ego estava por ali e não estava nada disposto a sair de casa, na verdade, não tinha mesmo disposição para nada, seu universo favorito era um quarto fechado e milhões de livros para ler. — Agricultor, segundo os cientistas o sol vai brilhar por aproximadamente dez bilhões de anos, portanto você pode aquecer seu corpo em outro dia qualquer, voltemos para casa! — exclamou o velho ego. — Velho ego, certamente não viverei dez bilhões de anos, nem Matusalém viveu tanto, vou para o campo agora viver intensamente algumas horas por lá, com ou sem a sua presença — retrucou o Agricultor. O velho ego que odiava ser contrariado não gostou da resposta; bateu os pés no chão, fechou a cara e voltou emburrado para dentro da casa, num profundo e desagradável mal humor. Três horas depois de trabalhar com intensa alegria sob os raios ...

O Amor é Atemporal

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Era uma vez uma manhã de sábado chuvoso de outono, princípio de abril. Estava na rua prestes a voltar para casa, quando passei defronte ao sacolão do bairro, e passando segui adiante, mas fui detido poucos passos depois por uma voz que vinha de dentro de mim dizendo "meu filho, um homem nunca deve voltar para sua casa com as mãos vazias". Eu conhecia aquela frase e, sobretudo, um sem número de recordações que atestavam sua veracidade — o amor é atemporal. Dei meia volta e entrei no sacolão, levaria um pouco de quiabo para o almoço; mas as mangas estavam bonitas, as bananas encantadoras, os caquis vermelhinhos, o alface e o almeirão cobertos de um verde cheio de esperança, e as laranjas amarelinhas e radiantes como o ouro ao sol. No caixa ainda comprei doce de amendoim e abóbora, partindo, enfim. Retornei com três sacolas cheias de coisas que alegram o paladar; fui recebido pela minha mulher que olhou para mim, sorriu e comentou "lá vem o filho do Sebastião" — os fru...

Num Canto Qualquer de Uma Certa Praça

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Não era uma vez, era um domingo e o Agricultor estava numa praça, mas por mais incrível que possa parecer, não estava plantando árvores, estava na verdade, à procura delas. Andava de cabeça baixa, observando com seus olhos atentos cada detalhe que via no chão, até que começou a encontrar o que estava procurando — minúsculas árvores em crescimento. Quando o Agricultor começou a aproximar-se das pequeninas árvores, notou um certo ar de preocupação e até mesmo um sentimento de medo entre elas. — Bom dia árvores mirins — falou o Agricultor. Uma das diminutas árvores começou a falar com o Agricultor; tudo indicava que era a porta voz de todas as demais. — Moço, estamos aqui e somos completamente desprezadas por todos; somos muitas vezes ignoradas, maltratadas, pisoteadas, e quando começamos a crescer, somos cortadas pelas serras ou arrancadas do solo pelas enxadas dos "jardineiros municipais". O que você deseja de nós? — Vocês gostariam de crescer livremente no meu quintal? Lá o ...

O Miado da Gata e o Rugido da Onça

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Naquela manhã de sábado de verão, o Agricultor Urbano solitariamente — seus vira-latas haviam partido desta para a melhor — plantava suas árvores numa área pública de sua cidade. Não demorou muito e foi abordado por um jovem que passava pela rua. — Moço, moço... — falou o rapaz — Por que o senhor planta sistematicamente árvores neste local por mais de 25 anos? O Agricultor interrompeu o seu trabalho — estava plantando uma paineira rosa naquele momento —, olhou para o jovem, abriu um sorriso e um diálogo. — Você é muito jovem, como soube disto? — Meus pais e todos os antigos moradores do bairro sabem disto, e as enormes árvores que crescem por aqui atestam de forma indubitável o seu trabalho. — Infelizmente eu não tenho agora a resposta para a sua pergunta. — Como assim? Não entendi! — Meu jovem, se me permite... você tem uma namorada? — Mais do que uma namorada moço, digamos que uma linda gata. — Você  visita a sua gata com frequência? — Ah moço... sempre que posso; estou indo ag...